A aplicação do principio da insignificância no direito penal

Tipo de documento:Artigo acadêmico

Área de estudo:Direito

Documento 1

Por outro lado, esta positivação poderia congelar o conteúdo da insignificância, tornando-a pouco flexível aos dados da realidade e às mudanças sociais. Ao final do estudo concluiu-se que a suposta sensação de ausência de tutela jurídica não é motivo para afastar o reconhecimento da insignificância. A lei penal deve ser a ultima ratio do ordenamento jurídico, sua opção mais drástica devendo-se priorizar o princípio da dignidade da pessoa, afastando-se a seletividade do direito penal. Palavras-Chaves: Insignificância. Tipicidade. Tal fato se deve, em grande parte, ao pouco interesse até agora demonstrado a este respeito, bem como a uma certa tendência a se reproduzir de forma acrítica as conclusões de outras pesquisas já realizadas sobre o tema (TAVARES, 2019).

Tradicionalmente, costuma-se apontar como antecedente mais remoto do princípio da insignificância o brocardo latino minima non curat preator, cuja origem remontaria ao direito romano. Conforme esta máxima latina, o pretor não se ocupa de causas mínimas (ninharias) (PRADO, 2019). Tratar-se-ia, portanto, de um brocardo cujo objetivo seria afastar da apreciação dos tribunais conflitos que, em razão de sua pouca relevância, deveriam ser equacionados nas esferas privadas de relacionamento. Assim, Ackel Filho (1988, p. Esta seria uma ideia de origem liberal, que não estaria presente na mentalidade dos glosadores e comentadores que beberam nas fontes Justinianas, em especial o Digesto. O humanismo jurídico, por sua vez, não tratava as fontes romanas com “a reverência obsequiosa e submissa do medievo” (DALBORA, 1996, p. mas, ao revés, buscava reinterpretá-las para adequá-las ao contexto histórico e cultural de seu tempo.

O espírito vital do humanismo jurídico consistia, portanto, em racionalizar seu objeto de conhecimento (as fontes do direito romano) e submetê-lo a regras conhecidas e verificáveis, buscando a valoração crítica de qualquer elemento que se apresentasse com aparência de autoridade indiscutível. Nesta tarefa residiria o espírito liberal do humanismo, caracterizado pelo redescobrimento do direito romano clássico, expurgado de seus elementos autoritários. a máxima latina “serve como referência, mas não como via de reconhecimento do princípio”. Para o autor, o princípio da insignificância é decorrência do princípio da legalidade, tal qual desenvolvido pelo pensamento iluminista. Esta moderna concepção de reserva legal era desconhecida pelos romanos, daí porque não ser possível o princípio da insignificância encontrar suas origens no direito de Roma.

De fato, não há dúvidas de que o conceito de insignificância está intimamente relacionado à ideia de lesividade e à proporcionalidade entre o delito e a pena, noções introduzidas no direito penal pelo pensamento ilustrado do século XVIII. Remonta à Beccaria (2017, p. Ainda, em se tratando das origens do princípio da insignificância, a legislação brasileira traz um precedente sobre a matéria, que está a merecer estudo mais aprofundado. Trata-se da segunda parte do artigo 2º do Código Criminal de 1830, cujo texto estatuía que “não será punida a tentativa de crime ao qual não esteja imposta maior pena que a de dous mezes de prisão simples, ou de desterro para fora da comarca” (PIERANGELI, 2001, p. Este dispositivo é oriundo do projeto de Código Penal apresentado por Bernardo Pereira de Vasconcelos.

Sua presença naquele contexto é certamente fruto da acalorada discussão acerca da punibilidade ou não da tentativa, matéria cujo tratamento final guardou grandes semelhanças com o projeto Livinstone (Código da Louisiana) (PRADO, 2019). Ainda que aplicável apenas aos casos de crime tentado, é clara a importância do artigo 2º do Código Penal do Império no sentido de descriminalizar condutas de reduzida ou nenhuma lesividade, o que no caso refletia-se na diminuta pena cominada. Parte desta norma sobreviveu na forma do art. º da Lei de Contravenções Penais, que até hoje veda a criminalização da tentativa de contravenção. Na jurisprudência brasileira, as primeiras decisões a aplicar expressamente o princípio da insignificância provieram do TJSP1. Decidiu o TACRIM/SP em 1983 que “se a lesão foi considerada de pequena monta, afastada a tipicidade, há de se aplicar o princípio da insignificância”2.

No julgamento da apelação criminal nº 349. Nos Tribunais Regionais Federais, é possível encontrar decisões reconhecendo a aplicação do princípio da insignificância a partir de 1993, em especial em hipóteses de descaminho10. A partir de então, o princípio da insignificância foi ganhando mais relevância no direito penal brasileiro. Multiplicaram-se os esforços no sentido de fixar sua natureza, conteúdo e área de abrangência, de forma a garantir racionalidade e segurança jurídica em sua aplicação. Tais esforços, contudo, ainda não conseguiram estabelecer critérios objetivos capazes de eliminar o arbítrio e subjetivismo em sua aplicação concreta, ou que sejam capazes de vencer a resistência de parte dos operadores do direito à sua adoção na prática forense cotidiana, daí porque a necessidade de aprofundamento no estudo a respeito do tema.

CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO Uma das maiores dificuldades encontradas no estudo da insignificância é, sem dúvida, a delimitação de seu conceito. p. de forma sucinta, definem-no como aquele “segundo o qual as afetações diminutas do bem jurídico não constituem lesão relevante para fins de tipicidade objetiva”. Apesar das pequenas diferenças contidas nos conceitos elencados, é possível extrair de todas elas um denominador, que representa o núcleo da definição de insignificância. Este núcleo é composto pela reduzida afetação do bem jurídico e pela ausência de conflitividade social destas condutas. Neste trilhar, o reconhecimento da insignificância começa pura e simplesmente a partir da necessidade e do dever das agências jurídicas de racionalizar ao máximo o exercício do poder punitivo, criando um sistema de previsibilidade e segurança jurídica para suas decisões que, simultaneamente, reduza a brutalidade e a seletividade da criminalização secundária.

São condutas que se adequam ao tipo, mas que em sua concretude não apresentam uma afetação expressiva do bem jurídico. Nestas hipóteses, o caráter insignificante do fato não provém de uma irrelevância em abstrato da conduta incriminada, mas da circunstância concreta de que a ação do agente não produziu a afetação do bem jurídico esperada pelo tipo penal, ou seja, “o fato não chegou a produzir o dano social que poderia ter produzido” (GOMES, 1989, p. São também microviolações que “pela descrição típica, o bem jurídico tutelado e, muito especialmente, a ampla margem que cobre a ameaça penal, se adequam em tipos que em abstrato descrevem delitos graves” (DALBORA, 1996, p.

mas que, como ressalta Dalbora (1996, p. sua punição “pareceria ditada somente pelo propósito de reforçar a repressão penal de um delito grave”. “a pena torna-se desnecessária. Sua dispensa, nesse caso, não chega a afetar o seu aspecto preventivo geral”. Assim, em se observando a irrelevância do fato na esfera penal, as agências judiciais poderiam afastar a culpabilidade do agente e deixar de aplicar a sanção penal em razão de sua desnecessidade no caso concreto. CRITÉRIOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA INSIGNFICÂNCIA É inegável que, neste quase meio século desde que a insignificância foi introduzida na dogmática penal moderna, muitos esforços foram despendidos para garantir seu reconhecimento e estabelecer seus contornos teóricos. Estes esforços asseguraram à insignificância dignidade suficiente para lhe destinar um espaço próprio na teoria do delito, a ponto de que atualmente sua negação completa pareça um prognóstico improvável.

Não havia critério para definir o que poderia ser declarado insignificante ou não. Esta análise ficava subordinada ao arbítrio de cada julgador, que definia baseado em suas convicções pessoais, se o fato por ele julgado poderia ser considerado insignificante. Para tentar suprimir esta lacuna de regulamentação, o STF, em acórdão lavrado pelo ministro Celso de Mello, estabeleceu no julgamento do habeas corpus nº 84. SP aquilo que denominou de “vetores” para caracterização da insignificância. A partir desta decisão, os vetores elencados por este acórdão passaram a ser utilizados de forma indiscriminada pelo STF e pelos demais tribunais brasileiros. de conteúdo genérico e sujeito à interpretações conflitantes. Esta indeterminação semântica implica em uma indefinição a respeito do significado e alcance de cada uma destas expressões, ou no mínimo, na admissão de múltiplas acepções de seu conteúdo.

Nos termos em que se encontram, os vetores estabelecidos pelo STF continuam sendo muito genéricos e, consequentemente, inúteis. Persistem as abstrações que habilitam o arbítrio e juízos de caráter subjetivo. Segundo Silva (2012), esta excessiva indeterminação dos vetores não permite que estes critérios cumpram a função a que se propõem: estabelecer parâmetros objetivos que possam balizar as decisões das agências judiciais e proporcionar previsibilidade e segurança jurídica aos pronunciamentos jurisdicionais. Na tarefa de definir a insignificância, é importante não cair na armadilha de adotar-se um conceito que a transforme em um mecanismo para legitimar o poder punitivo ou a pena. A insignificância não é um favor concedido ao acusado por razões de misericórdia, mas uma decorrência necessária de seus fundamentos, em especial os princípios da lesividade e da proporcionalidade.

Também não a justificam o desafogamento dos tribunais nem o “combate à verdadeira criminalidade”. Um conceito de insignificância que pretenda conter o poder punitivo deve necessariamente ser extraído a partir do paradigma da teoria negativa da pena. No que tange à sua posição dentro da teoria do delito, predomina o entendimento de que a insignificância consubstancia-se em uma causa de exclusão da tipicidade da conduta tendo em vista que reconhecer a insignificância implica em proceder à analise da afetação do bem jurídico, que ocorre no locus da tipicidade. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Alçada de São Paulo, São Paulo, v. abril/junho 1988. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2017. La insignificancia: especificación y reducción valorativas en el ámbito de lo injusto típico.

Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 4, n. p. DEU, Teresa Armenta. Criminalidad de bagatela y principio de oportunidad: Alemania y España. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. LOPES, Maurício Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise a luz da lei 9. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martin Claret, 2015. PIERANGELI, José Henrique. Códigos penais do Brasil: evolução histórica. Luís Greco. Rio de janeiro: Renovar, 2002. SILVA, Igor Luis Pereira e. Princípios Penais. Salvador: Jus Podivm, 2012. Rio de Janeiro: Revan, 2010. v.

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