A JUSTIÇA RESTAURATIVA NA REALIDADE BRASILEIRA

Tipo de documento:Artigo cientifíco

Área de estudo:Direito

Documento 1

Palavras-chave: Mediação penal. Justiça restaurativa. Benefícios 1 INTRODUÇÃO A justiça restaurativa emerge num contexto em que o sistema formal de justiça mostrou-se incapaz de produzir a ordem necessária. Enquanto meio alternativo de resolução de conflitos, por sua dimensão comunitária e pela informalidade, ela viabiliza a capilarização da justiça por alcançar espaços sociais cujo sistema formal não consegue chegar. No contexto brasileiro a busca por mecanismos alternativos de resolução de conflitos, tais como a justiça restaurativa, surgiu da necessidade de complementação do sistema formal de justiça em razão do aumento dos conflitos sociais e do ideário neoliberal de retração das instituições públicas estatais, tais como o judiciário. Para a realização deste artigo, como metodologia, foi empregada a pesquisa bibliográfica, realizada a partir de materiais já publicados, a exemplo de doutrinas e legislações que se dedicam à melhor compreensão do tema em análise.

A JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL Um dos meios de se proceder à mediação na esfera penal é fazendo uso da justiça restaurativa. A justiça restaurativa surge como uma reação aos resultados insatisfatórios do modelo retributivo e ressocializador de resposta ao crime quanto à prevenção e diminuição da reincidência, impulsionado também pelo movimento de revalorização do papel da vítima, crescente desde meados do século passado. Sua expectativa, segundo Prudente (2013) é viabilizar uma nova porta para tratar o delito, com abordagem mais pacificadora e menos adversarial. Com a valorização do valor da dignidade da pessoa humana no Direito Internacional e nos ordenamentos jurídicos pátrios, as formas tradicionais de abordagem do delito, baseadas na pena privativa de liberdade, com os seus efeitos deletérios, passaram a ser sistematicamente criticados.

Na França, optou-se por “justice réparatrice” ou “justice réhabilitative” (PRUDENTE, 2013, p. Em Portugal e na Espanha, há quem defenda a nomenclatura de “justiça reparadora” (PRUDENTE, 2013, p. Outros termos ainda são utilizados: justiça transformadora, relacional, participativa, pacificadora, restauradora, comunitária, entre outros. Estes significados demonstram que a significação deste último vocábulo é mais abrangente, incluindo não só a reparação sob o aspecto de reposição, mas incluindo “também uma ideologia própria que inclui valores que perpassam a relação vítima-agente e agente-comunidade” (ROBALO, 2012, p. O valor procurado em relação ao infrator é que ele adquira a consciência ético-valorativa da sua conduta em relação aos padrões vigentes na sociedade em que está inserido. Por se tratar de um paradigma novo, ainda em processo de construção, trazer um conceito hermético de justiça restaurativa é uma tarefa difícil e talvez até indesejada.

Com abordagens diferentes, com amplitudes diferentes a partir do contexto do país em que as experiências se inserem, as indefinições terminológicas e conceituais são comuns, o que não impede de citar algumas tentativas de estabelecer conceitos abertos a partir dos valores que veicula. A justiça restaurativa possui um conceito aberto e fluido, que vem sendo modificado ao logo do tempo, assim como suas práticas. Essa construção em aberto e em evolução constante é um ponto positivo, “pois não há um engessamento de sua forma de aplicação e, portanto, os casos padrão e as respostas-receituário permanecem indeterminados, na busca de adaptação a cada caso e aos seus contextos culturais” (ACHUTTI, 2013, p. Um dos conceitos mais simbólicos, pela sua dimensão ampla e aberta diz que: “a justiça restaurativa é um processo através do qual todas as partes interessadas em um crime específico se reúnem para solucionar coletivamente como lidar com o resultado do crime e suas implicações para o futuro” (MARSHALL, 1999, s.

p). A oralidade, a celeridade, a composição podem ser extraídas do texto normativo, ao prescrever o procedimento oral e sumaríssimo e a conciliação e a transação. Também ao prever a possibilidade de composição por juízes leigos e referir-se à menor complexidade e ao menor potencial ofensivo, a Constituição sinalizou outros princípios caracterizadores dos Juizados. O art. º da Lei nº 9. A identidade física do juiz representa o contato direto do magistrado com o processo. O magistrado que instrui o processo procede à oitiva da vítima, colhe o depoimento das testemunhas e interroga o réu; deve ser o mesmo a proferir a sentença, garantindo que as nuances proporcionadas pela apreciação das provas orais tornem possível uma decisão mais próxima à realidade dos fatos.

Gouvêa e Wronski (2001, p. afirmam que, por meio desse contato com as partes e testemunhas, o juiz consegue “conhecer as características que compõem a verdade, que muitas vezes se manifestaram na fisionomia, no tom da voz, na firmeza, na prontidão, nas emoções, na simplicidade da inocência e no embaraço da má-fé”. Também a concentração dos atos em uma audiência, ou pelo menos no menor número possível, busca evitar interrupções no andamento da ação e, consequentemente, obstaculiza a interposição de recursos de decisões interlocutórias que poderiam suspender o processo (Gouvêa; Wronski, 2001). A prestação jurisdicional deve ser célere, pois a demora resulta em inefetividade da decisão e descrédito para o sistema judicial.

A Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao art. º na CF/1988, dispondo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo eos meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A interpretação do que é razoável para o processamento de uma ação é subjetiva, embora a intenção clara do dispositivo seja que o processo deva transcorrer da forma mais rápida possível. No Juizado Especial Criminal, essa celeridade é ainda mais importante. “O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum”. Enuncia Pallamola (2009) que adotar a equidade não significa decidir contra a lei, mas acrescentar um conteúdo social que o contexto requer.

Barbi (1998) aponta que, quando o teor legal oferecer consequências indesejáveis,incompatíveis com o senso de justiça, pode o julgador mitigar o seu rigor e conferir interpretação mais equânime ao caso. Gerber e Dornelles (2006) referem-se ainda a princípios que podem ser extraídos do texto normativo, especificamente da parte criminal, como a reparação dos danos e o princípio da humanidade. A aplicação da lei penal no sistema dos Juizados prioriza o atendimento às necessidades da vítima, principalmente no sentido da reparação dos prejuízos que o delito causou. Projetos-pilotos foram se sucedendo nos países europeus, estimulados pelo Conselho da Europa, que, em 1999, aprovou Recomendação1 em que se estabelecem os princípios gerais que devem presidir a implantação dos serviços de mediação penal e incentivam-se os Estados membros a adotarem a mediação nos processos penais que considerarem adequados.

Em maio de 2001, foi aprovado pelo Conselho o Estatuto da Vítima em Processo Penal2, que no art. impôs aos membros que a partir de 22 de março de 2006 tivessem em funcionamento um programa de mediação penal. Os avanços das discussões e das experiências pelo mundo levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a tratar do tema. A Resolução 1999/263 dispôs sobre o “desenvolvimento e implementação de medidas de mediação e de justiça restaurativa na justiça criminal”, e requisitou à Comissão de Prevenção do Crime e de Justiça Criminal que considere a desejável formulação de padrões das Nações Unidas no campo da mediação e da justiça restaurativa. Pallamolla cita a experiência da Catalunha, na Espanha: No período de novembro de 1998 a junho de 2002, o programa de mediação na jurisdição penal ordinária da Catalunha foi levado a cabo em quatro cidades (Barcelona, Tarragona, Lleida e Girona) e tratou de 452 casos que foram derivados ao programa.

Destes, 116 não foram iniciados, pois foram considerados inviáveis. Dos 336 iniciados, 301 foram finalizados e apenas 210 continham resultado disponível. Destes últimos, houve reparação em 66,2% dos casos (PALLAMOLLA, 2009, p. Os dados coletados foram avaliados como positivos, sendo verificada a satisfação dos usuários e constatados os benefícios efetivos para as partes nos acordos reparadores. A participação no programa precisa ser voluntariamente aceita por ambas as partes. Os casos encaminhados devem envolver conflitos entre pessoas que possuam vínculo ou relacionamentos projetados para o futuro, nos quais haja a necessidade de reparação emocional ou patrimonial. Principais óbices à justiça restaurativa Para que a Justiça Restaurativa seja efetivamente aplicada, é necessário uma mudança de mentalidade da sociedade como um todo, desgarrando-se da ideia de vingança e violência, compreendendo a importância do diálogo e a solução efetiva do conflito e não a meramente aparente.

Passe-se à análise dos principais óbices à justiça restaurativa como terceira via autônoma na solução do delito. Leal (2014, p. Tais valores variam no tempo e espaço, não havendo, portanto, uma definição segura sobre o que é bem jurídico, tampouco quais seriam os bens que desafiariam uma proteção jurídico-penal. A falta de informação da sociedade atrelada às dificuldades financeiras da maioria da população brasileira – que não possui recursos para arcar com advogados e depende da defensoria pública – somado ainda à lentidão da justiça, promovem o estrangulamento do acesso à justiça. Poucas pessoas, portanto, conseguem ter seus direitos reconhecidos no processo formal. Não obstante, a demora do processo penal e as inúmeras ilicitudes perpetradas na investigação e em seu curso ocasionam decisões injustas ou, quando justas, em virtude da exacerbada lentidão, provocam a sensação de impunidade e a insatisfação da sociedade.

Assim sendo, o sentimento de impunidade e de incapacidade da justiça formal não oferecem qualquer contra-estímulo aos cidadãos ou mesmo a satisfação que seria oriunda da atribuição da pena diante do mal praticado. E isto, definitivamente, não é uma fábula. A promoção da Justiça Restaurativa deve ser uma meta dos governos, aos quais incumbe apresentar (novas) respostas à criminalidade e à justiça criminal, num contexto de políticas públicas de reparação e integração. São incontrastáveis as vantagens das práticas restaurativas não só para a vítima (pois ganha voz ativa, passando a ocupar o centro do processo), o ofensor (visto por outra perspectiva, holística, mais humana, podendo interagir com os demais e contribuir para a decisão) e a comunidade (máxime aquelas pessoas mais próximas dos primeiros).

Ao se devolver o conflito a seus legítimos protagonistas e acentuar-se o diálogo, pretende-se um acordo que tenha diferentes rostos (reconhecimento dos fatos; assunção de responsabilidade; manifestação de arrependimento; pedido [aceitação] de desculpas; compromisso de evitar más companhias, não voltar a usar drogas ou cometer novos atos puníveis/não recidivar; sujeição a tratamento; prestação de serviços à comunidade (PSC); devolução de bens; pagamento de multa; reparação material e retirada da denúncia e certamente ajuda a reatar os laços sociais). A reparação material ou simbólica das vítimas, por danos sofridos individual ou coletivamente, é de vital importância para a justiça restaurativa, seja no âmbito interno dos países, seja no plano internacional, na hipótese de violações manifestas das normas internacionais de direitos humanos e de violações graves do direito internacional humanitário.

Mediação Penal nos Crimes Tributários Transnacionais no Mercosul. Curitiba: Juruá Editora, 2018. BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. ed. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www. planalto. gov. FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei nº 10. de 10. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. GERBER, Daniel; DORNELLES, Marcelo Lemos. LOPES, William Cândido. Princípios norteadores dos juizados especiais cíveis estaduais e federais: Uma análise sobre sua efetiva observância. Conteudo Juridico, Brasília, 13 jan. Disponível em: <http://zip. net/bhrq1h>. n. set. fev. PABLOS DE MOLINA, Antônio Garcia; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. dez. jan. PRUDENTE, Neemias Moretti.

Justiça restaurativa: marco teórico, experiências brasileiras, proposta e direitos humanos. Maringá: Kindle, 2013. Justiça restaurativa: a reparação como consequência jurídico-penal autônoma do delito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a Justiça. Tradução Tônia Van Acker.

196 R$ para obter acesso e baixar trabalho pronto

Apenas no StudyBank

Modelo original

Para download