A PRESENÇA DA MULHER NO CANGAÇO: MARIA BONITA E DADÁ 1930 1940

Tipo de documento:Artigo cientifíco

Área de estudo:História

Documento 1

Como nossos referenciais teóricos foram empregados autores como Maria Isaura Pereira de Queiroz (1986/1977), Ana Paula Saraiva de Freitas (2005), Luiz Bernardo Pericás (2010), Daniel Lins (1997) e Frederico Pernambucano de Mello (1993/2015). Além disso, utilizamos de fontes como a história oral e a literatura de cordel. Palavras-chave: Cangaço. Mulheres. Nordeste. O assentimento do Rei do Cangaço resultou no surgimento de intensas críticas a respeito deste contexto, considerando que, no imaginário popular apresentava-se o preconceito de que a compleição feminina neste âmbito ocasionaria azar ao movimento. A presença da mulher no cangaço foi restrita apenas as décadas de 1930 até 1940, ano em que definitivamente extinguiram-se os bandos. Neste sentido, analisaremos este período de dez anos, sob a ótica da relevância feminina, sobretudo, de Maria Bonita e Dadá, na qual se pondera como uma temática escassa de pesquisas e fontes documentais.

Como recursos metodológicos utilizamos de fontes primárias e secundárias, como livros, entrevistas e poemas de autores e pesquisadores da história do cangaço, nos quais possibilitaram uma maior fundamentação ao nosso tema. Visando a efetivação deste, iniciamos com um capítulo intitulado Uma Análise do Cangaço, abordando brevemente o contexto histórico do movimento, elucidando sua definição, o surgimento, bem como os principais líderes representados na figura masculina. Estes partidos eram estabelecidos por fazendeiros, nos quais incidiam em lideranças políticas pleiteando-se pelo poder local. Mediante este contexto, originam-se no Nordeste do país, os cangaceiros dependentes, nos quais se caracterizavam como uma agregação restrita apenas aos homens, detentores de armamentos e um moradia estável, além de serem amparados pelos coronéis políticos da região.

Estes grupos possuíam como objetivo assegurar o comando da propriedade de seus dirigentes e, deste modo, instaurou-se uma relação análoga ao feudalismo, ou seja, os fazendeiros recebiam a proteção de seus territórios mediante a permuta de disponibilizar o domicílio e a alimentação dos cangaceiros. Deste fator, resulta a denominação de cangaceiros “dependentes”, isto é, os indivíduos eram sustentados pelos fazendeiros. Empregando a literatura de cordel como fonte de pesquisa, destacamos o poema transcrito na obra O Sertanejo Valente na Literatura de Cordel de Maria José Londres, referindo-se a estes cangaceiros dependentes. De acordo com Queiroz (1986, pág. durante as secas formavam-se bandos que saqueavam e pilhavam povoados e fazendas, aproveitando do desespero e da fuga dos habitantes”. Neste sentido, o cangaço por intermédio dos independentes atraía inúmeros homens que almejavam por melhores qualidades de sobrevivência, bem como outras perspectivas de vida e respeito perante seus contíguos.

Ainda no século XVIII, destaca-se entre estes indivíduos a figura de José Gomes, cognominado de Cabeleira, sendo um dos pioneiros do cangaço. Sob a influência de seu progenitor Joaquim Gomes, Cabeleira atuou nas vilas e povoados de Pernambuco. O autor reitera que “o banditismo1 tendia a tornar-se epidêmico em épocas de pauperismo2 ou de crise econômica”. Cabe destacar que os feitos de Cabeleira datam exatamente nos períodos de intensa seca que devastavam Pernambuco. Ademais, em meados do século XIX, mediante as frequentes secas sucedidas, constata-se uma grande atuação dos cangaceiros no Nordeste do país. Hobsbawm (2010, pág. acrescenta que “[. Destarte, Facó indaga: “num meio em que tudo lhe é adverso, podia o homem do campo permanecer inerte, passivo, cruzar os braços diante de uma ordem de coisas que se esboroa sobre ele?” (1983, pág.

Ademais, o autor reitera acerca da servidão imposta pelos grandes fazendeiros sobre a população rural, na qual, esta última desempenhava suas funções com jornadas de trabalho exorbitantes e, em troca, auferia uma desprezível remuneração. Consoante a Facó (1983, pág. a classe-agrária dominante via no trabalhador da terra o escravo, que o era de fato e juridicamente4”. Este fator implicou em um intenso descontentamento populacional, por intermédio do qual os trabalhadores foram preconizados a aderir ao cangaço, visando uma possível solução para seus problemas. que lutam de armas nas mãos, assaltando fazendas, saqueando comboios e armazéns de víveres nas próprias cidades e vilas”. A socióloga Maria da Glória Gohn em sua obra História dos Movimentos e Lutas Sociais (1995, pág.

os definem como homens armados que atuavam no sertão nordestino, ademais, reitera que na História Oficial5, estes eram considerados os “heróis populares”. De acordo com o escritor Júlio José Chiavenato em seu livro Cangaço (1990), O Cangaceiro lutava pela mera sobrevivência. Era perigoso, não só para as suas vítimas como para a estrutura falida do Nordeste. Este banditismo social resiste no Nordeste do país entre os anos de 1870 até 1940 e, neste ínterim, surgem personalidades emblemáticas do cangaço, nas quais se consagraram como os “reis do cangaço”. A título de exemplo, cabe salientar Antônio Silvino, codinome de Manoel Baptista de Alencar, no qual ingressou no cangaço em 1896, com o objetivo de vingar o falecimento de seu pai; ademais, destaca-se Virgulino Ferreira da Silva, o renomado Lampião, que atuou no comando de grupos cangaceiros até seu falecimento, no ano de 1938.

Cabe ressaltar, segundo Queiroz (1977) o papel de Cristino Gomes da Silva Cleto, o Corisco, no qual liderou um dos grupos de Lampião e persistiu com o cangaço até 1940, ano de sua morte. Este episódio compatibiliza com o término do cangaço. CAPÍTULO II – A PRESENÇA DA MULHER NO CANGAÇO Consoante a historiadora, Ana Paula Saraiva de Freitas em sua dissertação de mestrado intitulada A Presença Feminina no Cangaço: Práticas e Representações (1930-1940), A incorporação da mulher no cangaço e seu papel dentro dos bandos são aspectos pouco explorados pelos estudiosos. Deste modo, encontrava-se por intermédio das investigações apenas o silêncio das mulheres e acerca delas, pelo qual se dilatava gradualmente com a escassez de informações, as quais, teoricamente, não solidificavam a sua presença.

Nesta conjuntura, Perrot assevera: Evidentemente, a irrupção de uma presença e de uma fala femininas em locais que lhes eram até então proibidos, ou pouco familiares, é uma inovação do século 19 que muda o horizonte sonoro. Subsistem, no entanto, muitas zonas mudas e, no que se refere ao passado, um oceano de silêncio, ligado à partilha desigual dos traços, da memória e, ainda mais, da História, este relato que, por muito tempo, ‘esqueceu’ as mulheres, como se, por serem destinadas à obscuridade da reprodução, inenarrável, elas estivessem fora do tempo, ou ao menos fora do acontecimento. No início era o Verbo, mas o Verbo era Deus, e Homem. O silêncio é comum das mulheres. Outra determinante nesta condição feminina e ressaltada por Perrot é a teologia, por meio da qual as mulheres são limitadas a determinadas condutas.

O sociólogo Pierre Bourdieu (2012, pág. acrescenta que “as religiões inculcam explicitamente uma moral marcada por valores patriarcais, e modelam estruturas históricas do inconsciente por meio do simbolismo presente nos textos sagrados da liturgia, do espaço e do tempo religioso”. Assim, as religiões monoteístas, sobretudo o cristianismo fundamentado nos ensinamentos de Jesus de Nazaré, dispõem de escritos bíblicos nos quais preconizam a submissão da mulher. Entretanto, esta “submissão” consoante o contexto em que se integra, é estipulada como uma subserviência, na qual torna-se vulgarizada no âmbito coletivo e consequentemente rebaixa o elemento feminino. as mulheres também davam apoio moral e afetividade, proporcionando um senso de ‘normalidade’, na medida do possível, àquele estilo de vida errante e incomum”. Desta forma, o movimento “se ‘normalizava’, se ‘institucionalizava’, mesmo que fosse fora do mundo ‘oficial’”.

PERICÁS, 2010, pág. De acordo com o historiador e pesquisador do cangaço Frederico Pernambucano de Mello em sua narrativa à Revista Graciliano, [. No bando, a mulher costurava, se quisesse; bordava, se quisesse; cozinhava, se quisesse; seu status na subcultura do cangaço sendo bem superior ao da mulher da cultura pastoril envolvente. Acerca dos traços de Maria Bonita, Mello relata que a mesma era “[. bonita, rechonchuda, pernas torneadas, pele alva – nada de morena ou cabocla, como sustenta certa tradição oral -, olhos e cabelos castanhos, nada de olhos azuis, como igualmente insiste o folclore, nos seus 1,56m. ” (2015, pág. No que concernem as suas experiências precedentes ao cangaço, Maria Bonita nasceu no Estado da Bahia, datando em 8 de março de 1911, sucedida de uma família de lavradores, nos quais possuíam estáveis condições financeiras.

Seus progenitores eram Dona Déa, a Maria Joaquina Conceição de Oliveira e José Gomes de Oliveira, o Zé Felipe. queria um macho forte – Do bofe no pé-da-goela Que sendo em defesa dela Desse a vida pela morte. SANTOS, 1986, pág. Destarte, nos primórdios de 1930, Maria Bonita abandona seu esposo para fugir com o líder cangaceiro Lampião. São escassas as fontes documentais que retratam acerca dos desígnios – além dos problemas enfrentados em seu casamento – que levaram a jovem a optar por tal mudança, no entanto, de acordo com o relato oral de Ilda Ribeiro de Souza, popularmente designada como Sila (2001), uma ex-cangaceira do grupo de Lampião, “[. Maria entrou porque gostou de Lampião, o homem, o marido dela seria Lampião” (Apud FREITAS, 2005, pág.

Ademais, “[. a coragem de desfazer um casamento falido para acompanhar o homem que desejava e a disposição para enfrentar fome, sede e perseguição policial em nome de um grande amor inspiraram gerações de mulheres por décadas. ” Seguindo as concepções do escritor Daniel Soares Lins em Lampião, o Homem que Amava as Mulheres: o imaginário no cangaço (1997, pág. o líder cangaceiro confrontou seus próprios princípios ao integrar Maria Bonita em seu grupo, no entanto, visando justificar os “problemas que poderiam surgir na vida cotidiana do bando com a presença” de mulheres, Lampião assegurava a seus amigos que “[. com ela, será diferente”. Deste modo, corrobora-se que Maria Bonita desempenhou um papel fundamental na vida do cangaceiro, ademais, no tocante ao contexto geral do cangaço, embora não pegasse em armas, foi ela quem possibilitou a entrada de outras mulheres no movimento, tornando-se a Rainha do Cangaço.

Em 28 de julho de 1938, Maria Bonita, Lampião e seu grupo foram vítimas de uma emboscada durante a madrugada, resultando na morte destes elementos na Gruta de Angicos, em Poço Redondo, no Estado de Sergipe. Posteriormente, o grupo foi decapitado e exposto em público, visando servir como exemplo a outros cangaceiros. Intensamente vaidosa, Maria Bonita estampou inúmeras reportagens fotográficas da época e, além disso, é retratada em filmes, bem como na literatura de cordel, como uma mulher guerreira, heróica, decidida, de personalidade forte e, sobretudo, como a fiel companheira de Lampião. DADÁ Sérgia Ribeiro da Silva ou popularmente Dadá, nasceu em Belém de São Francisco, no Estado de Pernambuco, em 25 de abril do ano de 1915. Apud DIAS, 1989, pág. Após o ocorrido, a jovem foi obrigada a viver com Corisco, residindo em moradias dos parentes de seu violador, tendo em vista que neste período, a mulher era proibida de inserir-se no cangaço.

Doravante a entrada de Maria Bonita, Dadá introduz-se ao cangaço. Salienta-se que antagônica a pioneira, Dadá não aderiu ao movimento por vontade própria, mas sim pelas condições em que foi atribuída. No decurso dos anos, o ódio nutrido por Corisco transformou-se em amor, levando em consideração a maneira em que era tratada por este, algo natural entre os cangaceiros. Doravante a morte de Maria Bonita e Lampião em 1938, as emboscadas para exterminar o remanescente do grupo se intensificaram. No ano subsequente, Corisco em um tiroteio foi atingido no braço e, destarte, Dadá assumiu o comando na defesa de ambos, ademais, ponderada como uma cuidadora dos feridos, a mesma tratou seu esposo. De acordo com Mello (2015, pág. quando Corisco foi alvejado nos braços, em 1939, e não pôde mais empunhar a arma longa, ficando reduzido à pistola”, a Dadá foi permitida tornar-se “o mosquetão do marido e passar a combater”.

Em 1940, o grupo do casal deparou-se com uma nova emboscada armada pelo Coronel José Rufino, resultando na morte do cangaceiro e em ferimentos na perna de sua esposa. Significativa para este cenário, Maria Bonita foi a primeira mulher que ingressou no movimento, por intermédio de seu grande amor, Lampião, no qual incide no Rei do Cangaço. Doravante este episódio, outras mulheres, esposas e amantes de cangaceiros foram permitidas de inserir-se, inclusive Dadá. Neste seguimento, compreendemos que esta cangaceira foi fundamental para a representação da mulher no cangaço, tendo em vista que ela foi a única figura feminina a utilizar os armamentos pesados e, ademais, desempenhou uma grande participação nos confrontos do bando. Mediante estas atuações apresentadas ao longo deste artigo, evidencia-se a necessidade de abordar a presença e o desempenho das mulheres cangaceiras, nas quais são dignas de uma pesquisa tão ou superiormente aprofundada, quando comparadas aos cangaceiros.

Tendo em vista que estes elementos, em preponderância, são subestimados em detrimento da presença acentuada da figura masculina. DIAS, José Umberto. Dadá. Ed. Salvador: EGBA/Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1989. FACÓ, Rui. HOBSBAWM, Eric. Bandidos. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. LINS, Daniel S. Recife: Editora Recife – Zürich, Stahli Edition, 1993. MELO, Luís Gustavo.  O Mito Primordial Brasileiro: Entrevista com Frederico Pernambucano de Mello. Disponível em: <https://issuu. com/luisgustavomelo/docs/o_mito_primordial_brasileiro_-_entr>. PERICÁS, Luiz Bernardo. Os Cangaceiros: Ensaio de Interpretação Histórica. São Paulo: Boitempo, 2010. PERROT, Michelle. As Mulheres ou os Silêncios da História. Os Cangaceiros. São Paulo: Duas Cidades, 1977. REZZUTTI, Paulo. Mulheres do Brasil: A história não contada. São Paulo: Editora Leya, 2018.

Acesso em: 11 set.

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