AS INCONSTITUCIONALIDADES DO TÍTULO II-A DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO: A PRECIFICAÇÃO DA DIGNIDADE DO TRABALHADOR

Tipo de documento:Artigo cientifíco

Área de estudo:Direito

Documento 1

Resumo: O objetivo do presente trabalho é discutir a constitucionalidade das disposições constantes no Título II-A da CLT, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, de caráter qualitativo, utilizando-se, na escrita, o procedimento dedutivo. A pesquisa se justifica em decorrência da importância da disciplina dos danos extrapatrimoniais na proteção dos direitos personalíssimos dos trabalhadores, e da necessidade de preservação da “força normativa da Constituição”. Concluiu-se que o Título II-A da CLT foi uma tentativa de “precificação” da dignidade humana do trabalhador, incompatível com a Constituição Federal e com o princípio da dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Constitucionalidade. Título II-A da CLT. Human Dignity. INTRODUÇÃO O propósito do presente trabalho é discutir, especificamente, a constitucionalidade das disposições constantes no Título II-A, da Consolidação das Leis do Trabalho, intitulado “Do Dano Extrapatrimonial” (art.

A ao 223-G), por intermédio de pesquisa bibliográfica e documental, de caráter qualitativo. Utilizou-se, na escrita, o procedimento dedutivo. De forma objetiva, o presente estudo tem por finalidade ainda analisar tais aspectos, procurando demostrar que o novo regramento proposto é inconstitucional, na medida em que viola direitos fundamentais e, via de consequência, a própria dignidade da pessoa humana. Assim, homem não pode ser utilizado como meio, sem considerar-se que ele é, simultaneamente, um fim em si (GARCIA, 2004, p. Desse modo, a filosofia kantiana tem a dignidade como categoria fundamental, afirmando que às pessoas não pode ser atribuído preço de qualquer espécie, tendo em vista que não podem ser reduzidas à condição de objetos, tendo em vista que, por sua mera condição humana, são “fins em si mesmos”.

Assim, o homem não pode ser utilizado, nem mesmo por Deus, como simples meio, pois a humanidade “tem de ser a nós mesmos santa”. O homem é o sujeito da lei moral, daquilo que, em si, é santo. Funda-se sobre a autonomia da vontade livre que, de acordo com as leis universais tem de concordar com aquilo ao qual deve se submeter. Assim, não é concebido apenas da obrigação e do arbítrio, mas, sim, consiste “[. na possibilidade de conformar a obrigação geral recíproca com a liberdade de todos” (KANT, 1993, p. A dignidade que pertence à pessoa concreta deve ser quotidiana, não apenas algo ideal abstrato. A ordem jurídica deve considerar o homem ou a mulher “tal como existe”, irredutível e insubstituível, com direitos anunciados e protegidos, pois neles estão presentes todas as faculdades da humanidade (KANT, 1993, p.

Desse modo, além de proteger a dignidade humana, o Direito deve estar integralmente baseado nessa premissa, que se torna, a partir dessas conclusões, não somente uma prerrogativa a ser protegida pelo Ordenamento, mas, sim, um “filtro hermenêutico”, pelo qual têm que passar todos as decisões jurídicas, especialmente, a legislação. gerando angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, ocasionando-lhe sentimentos negativos.  (MORAES, 2003, p. Em decorrência do fato de prejudicar, gravemente, direitos que são diretamente relacionados à condição humana dos indivíduos, especificamente, os direitos inerentes à personalidade, é que a proteção contra os danos extrapatrimoniais guarda relação umbilical com a dignidade humana. Nesse sentido, pode-se conceituar os “danos extrapatrimoniais” como aqueles que representam “violações ao direito à dignidade”, resultantes da transgressão de direitos ou de interesses jurídicos extrapatrimoniais, individuais ou coletivos (MEDEIROS NETO, 2018, p.

Nota-se, portanto, a relação direta entre esse conceito e a indispensável proteção aos direitos fundamentais. Com o advento da Lei 13. BRASIL, 2017c, n. p. sobreveio o Título II-A à CLT (“Do Dano Extrapatrimonial”) que, porém, dos Arts. A a 223-G, tipifica e “precifica” a dignidade do trabalhador, especialmente no que concerne ao estabelecido no Art. p. o que, de plano, demonstra a incorreção do diploma. Além disso, faz-se possível crer que a “reforma trabalhista”, em decorrência dessa patente ilegitimidade, jamais deveria ter sido promulgada. A situação não se demonstra diferente no que concerne ao Título II-A que, desde o processo legislativo, já havia sido alvo de severas críticas quanto à sua constitucionalidade. Durante as discussões sobre a “reforma”, o Senador Randolfe Rodrigues, por meio do PLC 38/2017, demandou a supressão do Título II-A, afirmando sua inconstitucionalidade, em decorrência das limitações que os dispositivos impõem às hipóteses de dano extrapatrimonial, bem como da “tarifação para os respectivos valores das indenizações”.

TRT-9, 2017, p. Além disso, a fixação dos valores da indenização, considerando-se o último salário contratual do ofendido, equivale à “coisificação do trabalhador” (TRT-9, 2017, p. Nota-se, desde já, que as inconstitucionalidades que fulminam o texto em comento referem-se tanto a dispositivos expressos quanto aos mais relevantes princípios constitucionais hermenêuticos. De conformidade com o que será estudado no tópico a seguir, as inconstitucionalidades da Lei atingem todos os dispositivos constantes do Título II-A da Consolidação das Leis do Trabalho, de maneira mais grave, todavia, no que concerne às possibilidades relacionadas à “precificação” da dignidade humana. A vedação expressa à interpretação sistemática (Art. Assim, o preceito examinado acaba por adquirir a própria individualidade, bem como um alcance maior (MAXIMILIANO, 2011, p. Ao impedir a interpretação sistemática, portanto, o dispositivo se encontra em sentido diametralmente oposto ao “princípio da máxima eficácia” no concernente à Constituição.

Em sentido similar, o PLC 38/2017 afirma que a reforma, ao estabelecer que os danos extrapatrimoniais sejam regidos exclusivamente pelas disposições contidas no Título II-A, afastando a aplicação supletiva do Código Civil, incide em flagrante inconstitucionalidade (BRASIL, 2017b, p. É de se notar que o dispositivo em comento é claro em determinar a aplicação exclusiva dos dispositivos do Título II-A aos casos de dano extrapatrimonial no contexto trabalhista, afirmativa corroborada pela expressão “apenas os dispositivos deste Título”, o que evidencia ainda mais sua incompatibilidade com a Constituição. Nesse sentido, o Enunciado 18 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho afirma que a aplicação exclusiva dos dispositivos do Título II-A é inconstitucional, pois “[. Essa conclusão influencia, portanto, a interpretação de todos os dispositivos constantes desse Título.

Na sequência, o Art. B (BRASIL, 1943, n. p. afirma que a pessoa física e a pessoa jurídica são as titulares exclusivas do direito à reparação por dano extrapatrimonial, por ação ou por omissão4. Apesar das lesões das vítimas terem ocorrido no contexto de uma relação de trabalho, os danos causados a seus parentes têm natureza extracontratual. O tratamento diferenciado entre parentes de vítimas empregadas e desempregadas ofende o princípio da isonomia e a “dignidade da pessoa humana”, por dispensar atenção maior a alguns do que a outros (TRT-9, 2017, p. Não fosse suficiente para que se pudesse fulminar, definitivamente, o dispositivo, em decorrência de sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico, percebe-se, ainda, que não reconhece a existência de danos extrapatrimoniais coletivos, fazendo com que as comunidades não possam ser, legalmente, sujeitos passivos desses prejuízos.

O objetivo de se reconhecer o dano existencial é o de garantir o respeito a direitos fundamentais, cujo desrespeito prejudica a existência individual e coleta da pessoa. Evidente, assim, que pode atingir um conjunto de pessoas e seus modos de subsistência, deixando-as dependentes de auxílio externo ou desagregando-as. da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho afirmou que o dispositivo não exclui a reparação de danos sofridos por terceiros (em “ricochete”) ou de danos extrapatrimoniais ou morais coletivos, aplicando-se, quanto a estes, a lei 7. e o Título III do Código de Defesa do Consumidor (ANAMATRA, 2017, n. p. Note-se, portanto, que Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, de forma a manter o dispositivo compatível com o ordenamento jurídico, determina que simplesmente se ignore a expressão “exclusivas” que dele consta, alargando, de forma devida, a titularidade dos direitos extrapatrimoniais protegidos pela disciplina dos danos extrapatrimoniais.

A restrição aos bens jurídicos sujeitos aos danos existenciais (Arts. que comporta como gerador de dano moral qualquer ação ou omissão ofensiva à dignidade da pessoa humana, em qualquer plano relacional” (BRASIL, 2017b, p. Aliás, dentre os bens protegidos pelo Art. C não figuram, por exemplo, o direito à vida privada, (Art. º, X) ou a liberdade religiosa (BRASIL, 2017b, p. Essa restrição simplesmente elimina qualquer possibilidade de concretização do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. Trata-se de uma disposição absurda, que protege a empresa com mais eficácia do que resguarda o trabalhador, que é a parte presumidamente hipossuficiente da relação trabalhista. Trata-se de um dispositivo que demonstra, de forma cristalina, quais as reais intenções da “reforma trabalhista”. O tabelamento da dignidade humana (Art.

G, §§1º, 2º e 3º) Evidenciou-se acima que a “reforma trabalhista”, ao restringir o direitos protegidos pela disciplina legal dos danos extrapatrimoniais, encontra-se fulminada por flagrante inconstitucionalidade. Situação ainda mais nefasta, porém, encontra-se nas disposições do derradeiro artigo do Título II-A. Desse modo, a disposição em comento simplesmente distorce a disciplina relacionada aos instituto das indenizações. O dispositivo desobedece a Constituição Federal, Art, 5º, V e X, que garantem resposta proporcional ao agravo e inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. O atrelamento do “tabelamento prévio” ao número de salários contratuais viola o princípio da isonomia e, consequentemente, da dignidade da pessoa humana (BRASIL, 2017b, p. O valor do salário contratual não é um critério constitucionalmente viável para mensurar sua dor psíquica, o que faz com que seja uma discriminação inconstitucional, por dar mais importância reparatória ao abalo moral do sujeito que está melhor colocado no mercado de trabalho, violando, claramente, os Arts.

º, III, e 5º, caput. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE. determinou que a indenização “tabelada” pela Lei de Imprensa não havia sido recepcionada pela Constituição (BRASIL, 2004a, n. p. Na ADPF 130/DF, de 2009, o dispositivo foi definitivamente extirpado, extinguindo-se o tabelamento do dano moral. BRASIL, 2009, n. Por isso é que o ordenamento adotou a “teoria da reparação integral”, consagrada no Art. do Código Civil. TRT-9, 2017, p. Não bastasse, a indenização fixada em valores pífios descaracteriza a finalidade do próprio instituto, corroborando a violação aos Arts. º, III, e 5º, da Constituição Federal (TRT-9, 2017, p. Para a filosofia kantiana, a dignidade é uma categoria fundamental, que determina que às pessoas não pode ser atribuído preço, pois não podem ser reduzidas à condição de objetos.

As pessoas não podem ser submetidas a processos ou situações de “coisificação”, por serem autônomas e portadoras de dignidade, não podendo ser obrigado a algo. A dignidade natural, ao estabelecer os ditames para sua vida social, determina a solidariedade entre os homens. Ao Direito, além de preservar a dignidade humana, tem de se nela se basear, o que faz com que seja o “filtro hermenêutico” de todo o ordenamento jurídico. Nesse sentido é que se faz indispensável a proteção contra os danos extrapatrimoniais, violadores de direitos personalíssimos A Lei Lei 13. Não bastasse, o Título II-A consta com uma “lista” de bens jurídicos tutelados por sua disciplina, expressamente exaustiva, que descumpre o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Mais grotesco ainda é o dato de que, de conformidade com a letra do dispositivo, a empresa se encontra protegida de maneira mais ampla do que o trabalhador. A epítome das inconstitucionalidades do título, porém, encontra-se em seu último dispositivo, que Desse modo, a disposição em comento simplesmente distorce a disciplina das indenizações, na busca por “ressuscitar” o denominado “tabelamento indenizatório”, há muito extirpado do ordenamento jurídico nacional pelo Supremo Tribunal Federal. Diante disso, comprova-se o Título II-A da Consolidação das Leis do Trabalho é nada mais do que a tentativa de “precificação” da dignidade humana do trabalhador, de maneira totalmente incompatível com a Constituição Federal e, em especial, em flagrante desconformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS: ANAMATRA. a. Disponível em: <www. stf. jus. br>. Súmula 281. b. Disponível em: <www. stj. jus. planalto. gov. br>. Acesso em: 4 set. Constituição da República Federativa do Brasil. br>. Acesso em: 4 set. PLC 38. b. Disponível em: <www2. Acesso em: 4 set. GARCIA, Maria. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. KANT, Immanuel. Salvador: JusPodivm: 2018, p. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Edição. Rio de Janeiro. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012. SARLET, Ingo Wolfgang.  Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. ed. Porto Alegre: Advogado, 2004. Acesso em: 4 set.

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