COTAS DE GÊNERO E A QUESTÃO DOS TRANSGÊNEROS NAS ELEIÇÕES

Tipo de documento:Artigo acadêmico

Área de estudo:Direito

Documento 1

Tendo em vista estas inquietações, o presente estudo objetiva explicar as cotas de gênero, analisando a questão dos transgêneros neste contexto. A metodologia empregada para o desenvolvimento deste artigo foi a revisão de literatura feita em doutrinas, artigos jurídicos, legislações e jurisprudências que se dedicam ao tema em análise. Foi visto que a decisão de inclusão de mulheres transgêneras e travestis ainda no momento em que a política de inclusão feminina demanda atenção e revisão trouxe efeitos positivos, tendo em vista que eventual alteração no modelo atual inclui, necessariamente, os direitos desse grupo de mulheres. No entanto, a inovação também tem fomentado discussões suscitando-se a possibilidade de eventual prejuízo à inclusão das mulheres cisgêneras na política.

Ao final do estudo concluiu-se pela necessidade de criar mecanismos para estimular a superação do percentual de 30% dos registros de mulheres, bem como de inclusão de outras sanções àqueles que optam pelo caminho da fraude eleitoral, sem prejuízo da atuação preventiva no momento da realização das convenções partidárias. Foram 387 assassinatos e 58 suicídios (GGB, 2018). Ainda, a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais (ILGA) divulgou, no relatório de 2016, que na ocasião o Brasil ocupava o primeiro lugar no ranking de homicídios de LGBTs nas Américas, com 340 mortes por homofobia, sendo que sobre estas mortes há fortes evidências de que 144 sejam de transgêneros (ILGA, 2018). Não obstante a relevância dos direitos à vida e à integridade física da população LGBT, até mesmo por serem pressupostos ao gozo de outros direitos, a autoestima também é de fundamental importância para o convívio em sociedade.

Como bem recorda Rawls (1971), é o seu bem primário mais valioso. Desta forma, para que o indivíduo possa participar das deliberações de formação da vontade do Estado Democrático, em pleno exercício de suas capacidades políticas, é vital que detenha o adequado reconhecimento pelos demais, sem ofensas vexatórias ou práticas de degradação social. As políticas afirmativas nasceram da discussão da desigualdade racial (racismo), mas depois se estenderam a outros grupos vulneráveis, tais como: mulheres, idosos, índios, homossexuais, pessoas com necessidades especiais e obesos. Como instrumentos de promoção da igualdade real entre as pessoas e de combate às discriminações ilícitas, despontam como meios de reconhecimento dos grupos de indivíduos que não exercem a plenitude da cidadania, e fornecem às empresas mecanismos que possibilitam a promoção da integração, do desenvolvimento e do bem-estar de grupos vulneráveis (Mastrantonio, 2012).

O registro de candidaturas no pleito proporcional requer atualmente que o partido ou a coligação respeite os limites mínimo e máximo delineados para cada sexo, sob pena de indeferimento do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP). Trata-se de uma ação afirmativa justificada como meio de restituição da igualdade negada ao gênero feminino historicamente, e não como uma forma de instituição de privilégios. Como define Macedo (2014, p. Diante disso, Macedo (2014) questiona se seria correto admitir a inclusão de transgêneros e travestis na cota prevista em lei e se esta inclusão não iria reduzir o espaço ao gênero feminino ou mesmo implicaria fraudes que perpetuariam a predominância masculina, como o uso de transgêneros ou travestis como “laranjas” para atingir a cota de 30% de mulheres para o deferimento do DRAP.

Sobre este assunto é preciso, antes de tudo, compreender alguns conceitos. Neste contexto, importa esclarecer que segundo Macedo (2014), um homem transgênero é a pessoa que embora tenha nascido com características anatômicas femininas, se autorreconhece pertencente ao gênero masculino. Já uma mulher transgênera é uma pessoa que, nascida com anatomia tanto sexual como biológica masculina, estabelece por seu autoconceito uma identidade com o gênero feminino. Ademais, as travestis têm expressão de gênero feminina, mas não se identificam propriamente nem com a feminilidade nem com a masculinidade: identificam-se como travestis e querem ser respeitadas como tal. por vezes amparado em interpretações literais do sistema normativo. Referente aos direitos do indivíduo de se autodefinir quanto ao próprio gênero e de ser respeitado como tal, apenas mais recentemente o entendimento dos direitos humanos acresceu à concepção do direito à igualdade o direito ao reconhecimento.

Rememoram Santos e Barcelos (2015, p. sobre este ponto, que “os direitos humanos não são eternos, nem estanques, mas trabalhados em uma série de contradições e de tensões, movidos por uma dinâmica que os impele a evoluir sem cessar”. Sachs (1998, online) explica que estes direitos traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Dentre as clássicas divisões acerca do tema, tem-se a primeira dimensão dos direitos humanos, nos quais se garantiram os direitos políticos (inata ao Estado Liberal); a segunda dimensão, cujo escopo protetivo foram direitos sociais (trabalhistas, previdenciários, v. g. inata ao Estado Social; a terceira são os direitos dos povos, da fraternidade; a quarta, que são objetos de proteção, os direitos dos grupos sociais mais vulneráveis: mulheres, crianças, idosos, portadores de necessidades especiais (SAMPAIO, 2004).

O Estado deve ter atuação massiva e constante para amainar essa desproporção entre os gêneros, tanto no âmbito do Executivo, quanto do Legislativo e do Judiciário. A sua atuação é prestacional positiva. No julgamento da já citada ADPF 132, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, ao decidir pela possibilidade do casamento civil homoafetivo, asseverou que a Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limitou sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa e que o sexo das pessoas, exceto disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não serve como justificativa para a desigualação jurídica. Nessa linha, registrou a Corte Constitucional que todos são iguais tanto para suportar deveres, ônus e obrigações jurídico-positivos como para serem sujeitos de direitos, bônus e interesses igualmente positivados juridicamente (BRASIL, STF, 2011).

O Superior Tribunal de Justiça também interpretou evolutivamente a Lei de Registros Públicos quando reconheceu ser possível alterar o nome e sexo/gênero no registro civil, mesmo que o indivíduo não tenha se submetido a cirurgia de transgenitalização ser ou não realizada, resguardando, desta forma, os direitos fundamentais dos transexuais que optaram por não se submeteram à cirurgia, à identidade (ou seja, receber tratamento social consoante sua identidade de gênero), à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana (sem que ocorra intromissão estatal), ser reconhecido perante a lei (mesmo sem se submeter a procedimentos médicos), à intimidade e à privacidade (no que tange às escolhas de vida), à igualdade e à não discriminação (devendo ser eliminadas as desigualdades fáticas que possam vir a colocar essas pessoas em situação de inferioridade), à saúde (não apenas física mas também psicológica) e, enfim, à felicidade (bem-estar geral) (BRASIL, STJ, 2017).

Ainda sobre a mudança do nome civil, o STF, também muito recentemente (em 01. ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275, entendeu ser possível a substituição do nome e gênero no assento de registro civil independentemente da pessoa se submeter ou não ao procedimento cirúrgico de redesignação de sexo e sem que seja necessária autorização judicial (BRASIL, STF, 2018). Quanto aos termos da consulta, decidiu o TSE que, para os fins do art. § 3º, da Lei 9. deve compor a cota feminina as pessoas que se identificarem como mulher, transgênera (incluída nessa categoria também as travestis) ou cisgênera, ou como homem, transgênero ou cisgênero, não sendo relevante sua opção sexual, em similitude com seu autorreconhecimento. Esta autodeclaração de gênero precisa ser externada quando do alistamento eleitoral ou na ocasião em que forem atualizados os dados do cadastro eleitoral, ou seja, no máximo até 150 dias antes das eleições, nos termos que constam no art.

caput, da Lei 9. Para fins deste artigo, destaca-se a advertência que constou no voto do Relator, Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, de que candidatos que se valham de práticas de natureza fraudulenta que tenham o objetivo de burlar os percentuais reservados às cotas de gênero poderão ser impugnados, alvos de representações e até mesmo responderem a ações criminais junto à Justiça Eleitoral, suportando as consequências cabíveis, incluindo o indeferimento do DRAP, se a fraude ou o desvirtuamento dos direitos em jogo, forem comprovados. Este tema será melhor esclarecido a seguir, 4 POLÍTICAS DE RECONHECIMENTO: INTERSECCIONALIDADE E FRAUDES ELEITORAIS Revisitando a cota de gênero voltada à maior inclusão das mulheres nas Casas Legislativas, observa-se que a legislação evoluiu para dar maior efetividade à previsão legal de reserva de vagas nas eleições proporcionais.

No Brasil, a reserva de vagas de candidatura para mulheres está em vigor desde as eleições municipais de 1996, estabelecida pela Lei 9. que estabelecia que um percentual de 20%, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação para a Câmara Municipal deveria ser preenchido por candidaturas de mulheres (art. Passados dois anos, a Lei 9. Madruga (2015) elucida que em outros países, que registraram melhor desempenho da inclusão feminina na política, ao invés de se obrigarem os partidos a registrar um percentual mínimo de mulheres, sucedeu-se a reserva de cadeiras nas Casas Legislativas, garantindo a inclusão feminina independentemente da quantidade de votos ser inferior a um candidato do gênero masculino. Na Argentina, por exemplo, o sistema de listas fechadas, em que o eleitor vota apenas no partido, que deve estabelecer previamente a ordem dos candidatos, garantiu maior efetividade à ação afirmativa, já que, a cada três candidatos eleitos, um deles deverá ser do gênero oposto.

No entanto, Quintela e Dias (2016) defendem, em oposição, que a proposta argentina, ao ser transmutada à realidade brasileira teria como efeitos colaterais a diminuição do espectro de escolha do eleitor e o fortalecimento dos dirigentes partidários, sendo a melhor solução manter o sistema de listas abertas. Apesar dos avanços e vantagens do atual modelo, defendem Venturni e Villela (2016) que as cotas de gênero nas eleições brasileiras ainda se limitam a um processo bastante simples no tocante à sanção aplicada em caso de fraudes, merecendo uma reformulação com o fim de alcançar maior efetividade. Além da reserva de assentos citada, Frowein e Bank (2010) apontam outras alternativas que podem ser trazidas à discussão para o aperfeiçoamento das ações afirmativas que visam à maior participação das minorias nos processos de tomada de decisão, como a diminuição do coeficiente eleitoral a ser obtido para ingresso no parlamento e a delimitação mais favorável das circunscrições eleitorais, especialmente em se tratando de eleições majoritárias.

Estamos diante, em última medida, da disputa pelo poder de nomear e, como enuncia Hall (2014), as “unidades” que as identidades proclamam são, na verdade, construídas no interior do jogo do poder e da exclusão. Deter o privilégio de classificar, dividindo o mundo social entre “nós” e “eles”, significa também deter o privilégio de atribuir diferentes valores aos grupos assim classificados. É importante chamar a atenção, ainda, para a grande estigmatização em torno da exposição do gênero oposto ao sexo, que abarca desde conflitos no meio social, “brincadeiras” ofensivas e que denigrem a autoestima, até a prática de violência e homofobia em ambientes públicos. A tudo isso ficaria sujeito a candidata transgênero “laranja” que ardilosamente se autoidentificaria com o gênero feminino para fins escusos e antidemocráticos.

Parafraseando Lacan (1966), não é transgênero quem quer, mas quem pode ser. As mulheres transgêneras são, antes de tudo, minoria estigmatizada e vulnerável, o que autoriza, na vertente da interseccionalidade de subinclusão, a ação afirmativa que lhes contemple. Por fim, relembra-se que as fraudes tenderão a diminuir quanto maior forem a fiscalização e a certeza da aplicação das sanções previstas em lei. A expectativa é que os mecanismos de justiça estejam atentos tanto com relação à fiscalização quanto com relação à aplicação das sanções legalmente previstas para que a política pública ganhe efetividade. Como se vê, tribunais eleitorais são um elemento central na efetividade da política de cotas (ARCHENTI, 2014), garantindo maior estímulo à sua efetiva aplicação ao não admitir o esvaziamento da ação afirmativa.

CONCLUSÃO A ação afirmativa voltada à inclusão das mulheres na política existente atualmente no Brasil é bastante simplista e tem obtido lentos resultados. Argentina y Costa Rica, experiencias comparadas. Revista Derecho Electoral, n. p. BHABHA, H. The other question. Min. Ayres Britto. Disponível em: <http://redir. stf. jus. jus. br/portal/geral/verPdf Paginado. asp?id=400211&tipo=TP&descricao=ADI%2F4275. Acesso em: 25 mar. Superior Tribunal de Justiça. Tribunal Superior Eleitoral. Consulta 0604054-58. Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto. Rosa Weber. Disponível em: <http://www. justicaeleitoral. jus. br/arquivos/tse-informativo- tse-no-5-ano-20>. The new social theory reader. Londres: Routledge, 2001. p. FROWEIN, Jochen Abr; BANK, Roland. A participação das minorias nos processos de tomada de decisões. pdf>. Acesso em: 20 mar. HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.

Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Acesso em: 20 mar. LACAN, Jacques. Propos sur la causalité Psychique. In: ______. Écrits. Ações Afirmativas. Curitiba: Juruá Editora, 2012, MEDEIROS, Humbero Jacques. Parecer da Vice-Procuradoria Geral Eleitoral na Consulta 0604054-58. Disponível em: <http://www. mpf. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 1971. SACHS, Ignacy. O desenvolvimento enquanto apropriação dos direitos humanos. Estudos Avançados. São Paulo, v. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria Geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. SARMENTO, Daniel. VENTURINI, Anna Carolina; VILLELA, Renata Rocha. A inclusão de mulheres no parlamento como medida de justiça social: análise comparativa dos sistemas de cotas do Brasil e da Bolívia. Revista Eletrônica de Ciência Política, v.

n. YOUNG, Iris Marion.

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