Direitos do nascituro e seus reflexos jurídicos

Tipo de documento:Artigo acadêmico

Área de estudo:Direito

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Palavras-chave: Nascituro. Personalidade. Dignidade. Reflexos jurídicos. INTRODUÇÃO A primazia da pessoa em relação às coisas é um imperativo da legalidade constitucional, que estabelece que a pessoa humana ocupa posição central no ordenamento brasileiro em detrimento da tutela dos bens em si e das relações meramente patrimoniais. DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento deste artigo encontra-se dividido em três seções: a primeira discute o momento da aquisição da personalidade; a segunda seção detalha os direitos assegurados ao nascituro; e a terceira aborda a dignidade do nascituro e os Direitos da Personalidade. Inicia-se buscando elucidar o momento em que é adquirida a personalidade. Momento da aquisição da personalidade A definição de vida humana e o instante em que esta se inicia são temas pertencentes às ciências médicas e biológicas.

É função ciência jurídica dar-lhe enquadramento legal, ou, melhor dizendo, especificar quando tem início e quando termina a proteção jurídica do bem da vida e qual a sua abrangência (SARLET, 2015). A delimitação do início da vida gera posicionamentos divergentes na medicina e outras ciências biológicas, havendo diversas teorias que buscam esclarecer estas controvérsias. Quanto à personalidade jurídica do nascituro, o art. º do Código Civil preceitua: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (BRASIL, 2002, s. p). Tal artigo sempre despertou muitas discussões doutrinárias quanto ao início da personalidade jurídica do nascituro. Por um lado, diz o dispositivo que “a personalidade civil da pessoa” começa do nascimento com vida, constituindo um “limitador temporal do direito de ter direitos”, na feliz expressão empregada por Gustavo Nicolau (2005, p.

Enquanto os Códigos alemão (§ 1º. português (art. e italiano (art. º) adotam a teoria natalista, o Código argentino (art. adota a teoria concepcionista. É notável a dificuldade encontrada pelos juristas no que se refere ao momento da aquisição da personalidade. Entretanto, a corrente doutrinária majoritária entende que o art. º afirma claramente que a personalidade somente é adquirida no momento do nascimento com vida e ao nascituro é assegurada, apenas, a expectativa de direito. Também parece ser este o mais adequado entendimento, sendo que nascituro é palavra derivada do latim e significa aquele que está por vir, que vai nascer. Não se sabe, no entanto, se o nascimento se dará com vida; bem por isso, defende-se que o nascituro tem mera expectativa de direito, não personalidade. Embora fale a lei em “direitos do nascituro”, em verdade este tem meras expectativas de direito, que só se concretizarão se ele nascer com vida.

É por isso que a lei fala em “põe a salvo”, para significar “por em lugar seguro”, até que ele efetivamente tenha personalidade para assumir esses direitos. Entende-se não ter o nascituro sequer os direitos ditos fundamentais, como o direito à vida e à saúde, v. g. a proteção que a lei (inclusive penal) dá à vida do nascituro não significa necessariamente que ele tenha direito à vida; essa proteção pode perfeitamente ser entendida como direitos difusos da sociedade, afora os direitos de seus parentes, assim como se entende na proteção conferida pela norma penal que proíbe, v. São aqueles embriões excedentários ou pré-implantatórios (COELHO, 2016). A possibilidade, ou não, de descarte é debate que reclama uma solução muito mais ética do que jurídica.

Os direitos do nascituro Consoante a teoria a ser adotada referente ao início da personalidade civil o nascituro terá expectativa de direitos, direitos atribuídos sob condição suspensiva, ou, ainda, já será titular de direitos, assumindo a posição de sujeito de direitos na ordem jurídica. Essa discussão quanto ao momento em que o nascituro passa a titularizar direitos refere-se aos de ordem patrimonial e todos os demais direitos destinados aos já nascidos, e, portanto, detentores de personalidade jurídica. Todavia existem direitos e status que são destinados, expressamente, ao nascituro e dos quais ele já é titular, e, por isso, pode ser considerado sujeito de direitos. Porque titular deste direito fundamental, o nascituro é considerado pela medicina como paciente e destinatário de cuidados, atendimento e tratamentos médicos.

Inclusive, o nascituro pode ser inserido como beneficiário em planos de saúde, como vem sendo realizado por meio contratual, ou, ainda, quando da negativa dos planos, por determinação judicial. Direito à adoção No caso de gravidez indesejada, o ordenamento permite a adoção do nascituro que é admitida tanto pelo Código Civil, quanto pela Lei 12. Lei de Adoção) que, ao acrescentar o § único ao art. do ECA, dispôs que “as gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude” (BRASIL, 1990, s. Sobre o assunto, Diniz traz os seguintes esclarecimentos: O nascituro tem, em caso de fertilização assistida, direito à identidade genética, que lhe vem sendo negado ante a exigência do anonimato do doador do material fertilizante e do receptor do material genético, mas é preciso esclarecer que anonimato não significa que se lhe deva esconder tudo, pois nada obstará que se lhe revelem os antecedentes genéticos do doador, ou a história da saúde de seus parentes consanguíneos, quando atingir a idade nupcial, para evitar incesto, ou para fins de prevenção de moléstia física ou psíquica (DINIZ, 2017, p.

Por esta razão é obrigatório o registro de dados daqueles que participam do processo de reprodução assistida, sendo importante, também, a criação de mecanismos de controle de avaliação pelo Estado das doações realizadas para bancos de sêmen e de óvulos. Esse direito não pode ser confundido com o direito à filiação. Também, não gera direito a reivindicar o nome da família genética, e, consequentemente, pensão alimentícia ou herança. Direito à imagem e à honra Outros direitos da personalidade dos quais o nascituro é titular são os direitos à imagem e à honra. Direito a receber alimentos Tanto a adoção quanto a filiação têm como consequência outro direito personalíssimo reconhecido ao nascituro, qual seja, o recebimento de alimentos.

A doutrina que adota a teoria concepcionista sempre defendeu o referido direito, inclusive este entendimento foi amplamente adotado pelos tribunais, embora a questão já tenha sido objeto de controvérsias doutrinárias. A Lei 11. que dispõe sobre os alimentos gravídicos colocou fim à controvérsia e o pedido de alimentos passou a abranger todas as necessidades da gestante e, consequentemente, as necessidades da criança quanto à garantia do seu desenvolvimento pleno e saudável, inclusive despesas médicas e exames pré-natais. Por esta razão o pedido de alimentos gravídicos se fundamenta não só a Lei 11. Sobre os efeitos jurídicos da doação e da sucessão em favor do nascituro, Diniz (2017), a partir das lições de Pontes de Miranda, explica que o nascituro pode receber bens por doação ou herança (art.

e art. do CC), porém, o direito de propriedade apenas irá oncorrer em seu patrimônio caso nasça com vida, mesmo que venha a falecer logo em seguida, caso em que os bens serão transmitidos aos seus sucessores. Há, ainda, o caso de disposição testamentária para prole eventual (arts. e 1799), subordinada à condição, essa vinculada a evento futuro e incerto de geração dessa prole no prazo de 2 anos, que começa a ser contado a partir da abertura da sucessão. Os atentados cometidos contra a pessoa e sua dignidade, ocorridos no início do século XIX, não são, todavia, os únicos a justificar a necessidade de afirmação e efetivação dos direitos humanos. Também, no final do século XX, a proteção da dignidade da pessoa humana, e, consequentemente, dos direitos da personalidade, assumiu especial relevância, diante dos riscos e danos que passaram a ser potencializados em virtude dos avanços tecnológicos e científicos, os quais possuem influência direta na vida cotidiana dos indivíduos (ALVES, 2001).

Foi neste contexto que a dignidade da pessoa humana foi erigida como princípio fundamental, como esclarece Cleber Francisco Alves: Passa, então, a temática da ‘dignidade da pessoa humana’ – e dos direitos que lhe são correlatos – a integrar o Direito Constitucional, elevada à condição de princípio fundamental, ou, segundo outros, de valor essencial que dá unidade ao sistema, ocupando um estágio de relevância ímpar no ordenamento jurídico (ALVES, 2001, p. A partir do novo olhar lançado sobre a pessoa humana, cuja dignidade passou a ser fundamento e vetor não só dos direitos fundamentais, mas do ordenamento jurídico como um todo, iniciou-se o fenômeno de relativização da dicotomia existente entre os direitos da personalidade (relacionados à ordem patrimonial e restritos ao âmbito do Direito Privado) e os direitos fundamentais (de cunho não patrimonial e pertencentes ao Direito Público), com a consequente releitura dos direitos da personalidade à luz deste princípio jurídico.

Diante desta realidade, os direitos personalíssimos foram reinseridos no contexto jurídico, pela doutrina civil contemporânea (TEPEDINO, 2009), a partir de uma visão civil-constitucional, sobre a qual passam a ser analisados e interpretados, não como pertencentes de maneira exclusiva ao ramo do Direito Público (que disciplina a relação entre o indivíduo e o Estado) e, por isso, vinculados à categoria dos direitos fundamentais, mas sim como afetos a todos os ramos do Direito. Contudo os direitos da personalidade não se limitam às referidas disposições, posto que sua abrangência compreende as demais previsões contidas no ordenamento, na Doutrina e na Jurisprudência. Abrangência dos direitos da personalidade do nascituro Independente da discussão teórica sobre o início da personalidade jurídica decorrente da redação do art.

º do Código Civil que, em sua primeira parte, favorece a posição natalista, mas na segunda afirma a posição concepcionista, é evidente que o referido dispositivo protege os direitos do nascituro desde a concepção, nos quais estão inseridos os direitos da personalidade, pois, se o legislador não restringiu tais direitos, não caberia ao intérprete restringir para afirmar que se trata, apenas, de expectativa de direito. Nesta perspectiva, não é possível que o nascituro seja restringido quanto aos direitos personalíssimos, dos quais é titular, porque desprovido de capacidade de fato. A partir da visão contemporânea acerca dos direitos da personalidade, estes são afirmados enquanto decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana, que compreende o nascido e o concebido sem distinções, como se observa nas palavras de Clayton Reis: Nesse contexto, não nos é lícito estabelecer limites aos nossos semelhantes por decorrência da sua condição atual ou devir.

Semelhante ao diploma brasileiro, o Código Civil de Portugal determina que a personalidade jurídica tenha início após o nascimento com vida. Indo ao encontro do que prevê a jurisprudência pátria, também o STJ de Portugal reconheceu a dignidade humana do nascituro quando decidiu que este tem o direito de ser indenizado por danos morais pelo falecimento de seu pai em acidente de trânsito ocorrido antes do seu nascimento. Trata-se de tendência dominante nos Tribunais não apenas do Brasil, mas também de outros Tribunais da Europa, como o caso de Portugal, independentemente da teoria adotada sobre o começo da personalidade jurídica, ao nascituro não é negado o reconhecimento da dignidade enquanto princípio jurídico e fundamento do Estado Democrático de Direito, no qual se encontram consubstanciados os direitos da personalidade.

Tais direitos, em razão de sua natureza, não se extinguem com a morte, tampouco se iniciam com o nascimento, mas sim a partir da concepção. Como observado, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência, os direitos da personalidade advêm do atributo da dignidade humana que se materializou enquanto princípio jurídico das principais democracias. Com base em interpretação do art. º do Código Civil, o legislador civil preferiu não restringir os direitos do nascituro àqueles de natureza patrimonial e dispostos em lei, motivo que justifica a existência de direitos extrapatrimoniais do nascituro mesmo quando não há previsão legal. Neste trilhar, no direito pátrio, o nascituro é titular de direitos, ou melhor, titular de situações jurídicas subjetivas, não obstante o ordenamento não lhe tenha provido a personalidade.

Ainda que o nascituro não tenha a condição de pessoa humana, em sentido técnico, no direito brasileiro sua natureza de ser humano em gestação lhe assegura a antecipação da aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana, mormente para fins de proteção extrapatrimonial, uma vez que impede sua instrumentalização e lhe assegura direitos desde a concepção, ou melhor, desde o início da gestação. Por fim, ressalte-se que os direitos do nascituro, assegurados por força da “cláusula geral” de proteção contida nos artigos 2º do Código Civil e 226, § 7º da CF/1988, não são absolutos e devem se conformar a partir dos interesses peculiares ao nascituro, que, via de regra, serão contrastados com os direitos das gestantes.

Saraiva: São Paulo, 2002. ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Bioética e direitos da personalidade do nascituro. Scientia Iuris, Londrina, v. p. planalto. gov. br/ccivil_03/leis/L8069Compilado. htm. Acesso em: 15 Jul. Terceira Turma. Rel. Sidnei Beneti. Brasília, Julgado em 17. DJ 06. Coimbra, 1993. v. CARVALHO, Gisele Mendes de. Lacunas na proteção jurídico-penal do nascituro: os delitos de aborto culposo e de lesões ao concebido. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo – SP, 04, 05, 06 e 07 de nov. Curitiba: Juruá Editora, 2017. v. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. ed. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. LIMA, Carolina Alves de Souza. Disponível em: http://www. publicadireito. com. br/conpedi/manaus/ arquivos/anais/brasilia/11_378. pdf. A dignidade do nascituro.

In: CORRÊA, Elídia Aparecida de Andrade; GIACOIA, Gilberto; CONRADO, Marcelo (Coords. Biodireito e dignidade da pessoa humana. ed. Curitiba: Juruá, 2010. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Sucessões. ed.

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