FUNRURAL E AS DECISÕES CONTROVERTIDAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FRENTE À LEI Nº 13.606/2018

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Direito

Documento 1

Helberty Coelho2 RESUMO Entre as décadas de 1930 e 1960, o Brasil era essencialmente rural, o que provocou no campo, reivindicações semelhantes às já existentes na cidade. Assim, surgiram as regulamentações do trabalho rural e, consequentemente, o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL, o qual teria como fonte de recursos a tributação sobre o total da mercadoria rural produzida no país. O questionamento sobre a Constitucionalidade do tributo culminou em decisões controvertidas da Suprema Corte, que ao decidir pela inconstitucionalidade em 2010 e 2011 induziu os contribuintes ao não recolhimento do tributo, passando-se a entender pela constitucionalidade do tributo em 2017. Dito isto, o objetivo deste artigo foi analisar as consequências na mudança de decisão da Suprema Corte, analisando se a lei de refinanciamento conseguiu mitigar os efeitos danosos da mudança de decisão.

A metodologia empregada para o desenvolvimento deste artigo foi a pesquisa bibliográfica aliada a uma consulta feita à Delegacia da Receita Federal do Brasil, na cidade de Governador Valadares - MG, buscando informações acerca do débito com o FUNRURAL e renegociações em curso. Como fonte de recursos para o custeio do fundo criou-se um tributo homônimo, sendo comum referir-se à contribuição com o nome do fundo. O FUNRURAL teve sua recepção pela Constituição Federal do Brasil de 1988 (CRFB/1988), todavia foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, com decisões pela inconstitucionalidade em 2010 e 2011 e posterior mudança de entendimento em 2017. Influenciados pelas decisões de 2010 e 2011, muitos daqueles que se incluem entre os sujeitos passivos da obrigação tributária não a cumpriram, ou seja, deixaram de pagar a contribuição social para o FUNRURAL.

Com a mudança de entendimento em 2017, criou-se uma situação embaraçosa para todo o setor agropecuário, tendo em vista que a tributação é sobre a comercialização de toda a mercadoria originária do campo. A inadimplência da contribuição gerou um passivo financeiro grande para o agronegócio brasileiro, requerendo medidas legislativas para regularizar a situação. Portanto, é um setor de suma importância e que merece ter sua questão financeira analisada, especialmente quando se considera que ignorá-la pode significar a decretação de falência de muitos produtores e empresários do setor. Juridicamente, é de suma relevância entender os fundamentos legais do FUNRURAL, suas motivações e, sobretudo, monitorar sua aplicação. Enquanto futuro operador do Direito, o acadêmico, deve questionar se o ordenamento jurídico está de acordo com os preceitos da República.

A metodologia aqui aplicada foi a pesquisa qualitativa composta por pesquisa bibliográfica realizada na legislação pertinente ao tema abordado, doutrinas, artigos científicos e jurisprudência. Outrossim, foi elaborado um questionário e remetido à Delegacia da Receita Federal do Brasil, na cidade de Governador Valadares - MG, buscando informações acerca do número de produtores rurais com débitos lançados no interregno de suspensão da cobrança, o montante financeiro incluindo multas e encargos, número de notificações de débitos, possibilidade ou não de parcelamento da dívida, a adesão ao parcelamento, existência de inscrição em dívida ativa e execução fiscal. A referida contribuição foi criada com a função precípua de prestar serviços de seguridade social ao trabalhador rural e seus dependentes, de forma direta ou através de parcerias públicas ou privadas.

Assim, os serviços prestados eram: assistência à maternidade; auxílio doença; aposentadoria por invalidez ou velhice; pensão aos beneficiários em caso de óbito; assistência médica; auxílio funeral, dentre outros (MOREIRA; QUEIROZ, 2019). É importante ponderar, ainda, que o auxílio doença e a aposentadoria eram benefícios exclusivos para os trabalhadores rurais, não se estendendo aos seus dependentes. A gênese do FUNRURAL encontra-se no Estatuto do Trabalhador Rural, instituído pela Lei nº 4. de 02 de Março de 1963, Título IX, Dos Serviços Sociais, art. A primeira mudança na matéria foi em 1971, com a criação da Lei Complementar nº 11, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural e definiu, em seu art. a fonte de recursos do fundo e elevando a alíquota para 2% sobre a produção rural.

Cabe ressaltar que, a Lei nº 4. de 02 de Março de 1963, Estatuto do Trabalhador Rural, foi ab-rogada pela Lei nº 5. de 8 de junho de 1973, que estatuiu normas reguladoras do trabalho rural. Desta feita, a alteração deixou a cargo dos incisos I e II os percentuais e reforçou o enquadramento do empregador rural (pessoa física) nos contribuintes do FUNRURAL, com foco especial na contribuição realizada por estes sobre a receita bruta, já com fundamento na Emenda Constitucional 20/98 (SILVEIRA; BARRETO, 2018). Alternativamente, por força do § 13 do art. do RGPS, cuja redação foi dada pela Lei nº 13. o produtor rural pode contribuir sobre a folha de salários, no montante de 20% sobre o valor pago aos empregados. Atualmente, o produtor rural pessoa física pode optar em entre duas formas de contribuição para a previdência: através de alíquota aplicada sobre o faturamento ou sobre a folha de pagamentos de salários.

MG, de relatoria do Ministro Marco Aurélio e RE 596. RS, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski. No caso em apreço, a parte que interpôs o Recurso Extraordinário de nº 363. Minas Gerais), questionando a constitucionalidade do art. incisos I e II, e art. Uma vez que o texto passou a ter a seguinte redação: Art. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; e c) o lucro; (BRASIL, 1988) Sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, o acórdão9 considerou inconstitucional o art.

º da Lei nº 8. que deu nova redação ao art. incisos I e II, e art. e 9. o empregador rural (pessoa física) não era um contribuinte da COFINS, como destacou o Ministro Ricardo Lewandowski em seu voto: [. conforme se verifica dos fundamentos que serviram de base para o leading case, ainda que se afastasse a duplicidade de contribuição a cargo do produtor rural pessoa física empregador por inexistência de previsão legal de sua contribuição para a COFINS, não se poderia desconsiderar a ausência de previsão constitucional para a base de incidência da contribuição social trazida pelo art. I e II, da Lei nº 8. a reclamar a necessidade de instituição por meio de lei complementar (BRASIL, 2012, sem paginação).

O primeiro, diz respeito ao RE 363. MG, que ficou conhecido como “Caso Mataboi”, o STF deu provimento ao recurso desobrigando o produtor contribuinte de recolher a contribuição, mesmo a contribuição devida a título de sub-rogação. Na mesma oportunidade, a Corte reconheceu a inconstitucionalidade do art. º da Lei nº 8. que conferiu nova redação ao art. Os fundamentos dos quais os ministros se valeram no julgamento foram: ofensa ao art. inc. II da CRFB/1988, devido à existência de uma dupla contribuição, caso o produtor rural seja também empregador; e necessidade de edição de lei complementar com vistas a instituir uma nova fonte de custeio para a seguridade social, sabendo-se que a natureza da Lei nº 8. é a de lei ordinária. No entanto, o primeiro fundamento elencado foi afastado quando do julgamento dos embargos de declaração.

de Minas Gerais, ajuizaram ações nos tribunais estaduais com o objetivo de não recolherem o tributo. O Código Tributário Nacional (CTN) define, em seu art. como sujeito ativo da obrigação tributária o titular da competência para exigir o seu cumprimento. Por se tratar de tributo federal, a União é o sujeito ativo da obrigação tributária do FUNRURAL, motivo pelo qual foi interposto o RE 718. do Rio Grande do Sul. da Lei nº 8. Leis 8. e 9. foram promulgadas antes da EC 20/98, que, como já citado adicionou o termo “receita” entre as bases de cálculo referentes à contribuição ao FUNRURAL custeada pelo produtor rural empregador. E a Suprema Corte, ao julgar os REs citados, estabeleceu que ambas as legislações eram inconstitucionais em razão de terem instituído fontes de custeio com o intuito de assegurar a expansão e manutenção da Seguridade Social sem que detivesse natureza de Lei Complementar, nos termos preceituados pela CRFB/1988 em seu art.

E, continuando na cronologia, a Lei 10. como bem pontuou Igor Mauler Santiago, [. pretendeu reforçar a sujeição do empregador rural pessoa física à contribuição sobre a receita — agora com respaldo na Emenda Constitucional 20/98, que universalizou essa base de cálculo —, para tanto se limitando a intervir no caput do artigo 25 (SANTIAGO, 2017, sem paginação). Nota-se, pois, que a questão que deveria ser definida pelo STF, ao enfrentar o RE 718. RS, é se poderia a Lei 10. da Lei 8. jamais foram suprimidos do ordenamento jurídico, razão pela qual a Lei 10. restringiu-se somente a modificar a redação do caput do citado art. não havendo a necessidade de o legislador escrever novamente toda a regulamentação afeta à contribuição à qual o segurado especial já se submetia, mas tão-somente adicionar em seu caput o novo sujeito passivo.

O Ministro Edson Fachin, a princípio designado relator, proferiu seu voto no sentido de que era necessário editar uma legislação complementar fixando o tributo em questão. I, da CRFB/1988 já havia a previsão de contribuição sobre o valor do faturamento. Assim, entende que a EC 20/98, que pressagia a receita bruta oriunda da venda da produção como base de cálculo, não tinha como tornar a contribuição elencada no art. constitucional, tendo em vista a inexistência da constitucionalidade superveniente, ou seja, “preceito do Diploma Maior posterior não convalida lei que nasceu conflitante com esse mesmo Diploma Maior” (BRASIL, 2017, sem paginação). Já a manifestação do Ministro Luís Roberto Barroso foi no sentido de não ser possível declarar a inconstitucionalidade da Lei 10.

pois, por ser uma lei formal e discutida no Congresso Nacional, não poderia macular o princípio da legalidade incluindo um novo sujeito passivo no art. IV, da LC 95 (que dispõe sobre o procedimento de elaboração de legislações), possibilita que uma legislação subsequente, que se destina somente a complementar outra considerada básica, possa dispor sobre o mesmo assunto da legislação básica anterior. Assim, a Lei de 2001, cuja edição se deu após a EC 20/1998, poderia trabalhar somente no caput do art. da Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS, por consistir em uma legislação subsequente que veio para complementar a lei básica (no caso, a LOAS). O voto do Ministro Ricardo Lewandowski, a seu turno, acompanhou o entendimento vencido do Ministro Edson Fachin, mediante o argumento de que a adoção de uma nova base de cálculo sobre a qual deverá incidir um tributo ou uma contribuição, bem como todos os seus elementos, demanda a edição de uma lei complementar, nos termos do art.

§ 4º, da CRFB/1988. O resultado da aparente divergência nos julgamentos fez com que muitos produtores rurais e frigoríficos deixassem de recolher o tributo, gerando um passivo gigantesco para o setor, estimado em cerca de 22 bilhões de reais (MOREIRA; QUEIROZ, 2019), receita esta que certamente a União não pretende renunciar. Sendo assim, a União começou a notificar produtores rurais a fim de que estes buscassem renegociar seus débitos, dando origem ao que convencionou-se denominar de REFIS do FUNRURAL. É o que será discutido a seguir. REFIS DO FUNRURAL Diante do imbróglio gerado pelas decisões aparentemente controvertidas do STF, restou necessária a criação de medidas fiscais capazes de regularizar a situação do produtor rural devedor do tributo. Logo após o julgamento do RE 718.

inciso IV da Lei 8. pelo STF, no RE 718. RS. Na EM 00095/2017 do Ministério da Fazenda, a estimativa de renúncia de receita seria da ordem de R$ 1,87 bilhão no ano de 2018, R$ 1,81 bilhão em 2019 e R$ 1,76 bilhão em 2020. Logo, é possível imaginar o real tamanho do passivo financeiro que se formou entre o lapso temporal da decisão de 2011 e a proferida pelo STF em 2017. A norma em análise estabeleceu que a Receita Federal deveria, no prazo de 30 dias, editar ato normativo para disciplinar o cumprimento das regras, o que se deu com a Instrução Normativa RFB nº 1784, de 19 de Janeiro de 2018 e posteriores alterações por outras Instruções Normativas. No entanto, é importante ressaltar que a regulamentação da norma trouxe alguns óbices à adesão, como o fato de ter que confessar os débitos ainda não constituídos, através do preenchimento de Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), mês a mês dos últimos cinco anos.

Outro fator questionável na adesão ao parcelamento é a cobrança de juros sobre o principal da dívida. Aplicar-se-ia a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), além de 1% de juros ao mês no parcelamento. O prazo para a adesão inicialmente foi de pouco mais de 30 dias, com data até 30 de fevereiro, posteriormente renovado por mais quatro vezes; para os dias 30 de abril, 30 de maio, 30 de outubro e finalmente 31 de dezembro. Foi justamente a universalidade e o regime geral que levaram ao questionamento da constitucionalidade do tributo, uma vez que existe a contribuição por parte do empregador para o Instituto Nacional de Seguridade Social e o FUNRURAL com o mesmo propósito, o que configura bitributação sendo, portanto, inconstitucional.

Após dois julgamentos que ocorreram nos anos de 2010 e 2011 (ressalte-se que o primeiro se estendeu por mais de uma década), o STF decidiu pela inconstitucionalidade do FUNRURAL, desobrigando os sujeitos passivos da obrigação tributária. Porém, no ano de 2017 a Suprema Corte mudou de posicionamento a respeito da constitucionalidade da contribuição, gerando um passivo financeiro de grande magnitude para o setor do agronegócio. A Lei 13. foi editada como medida para restabelecer a segurança jurídica, abalada pela mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal, e corrigir a injustiça social gerada pela cobrança dos tributos não recolhidos entre os anos de 2011 e 2017, por culpa exclusiva da Justiça. No entanto, também este objetivo parece não estar sendo atingido, posto que como observado a partir da consulta à Receita Federal do Brasil foram poucos os contribuintes que aderiram ao programa de regularização tributária e um dos motivos para esta não adesão foi a ausência de notificação do débito, o que demonstra a necessidade de investir em planejamento a fim de que a Lei 13.

alcance, ao menos em parte, a eficácia almejada. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei 4. de 02 de Março de 1963. planalto. gov. br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm>. Acesso em: 20 Jun. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 8. de 24 de julho de 1991. Lei 13. de 09 de Janeiro de 2018. Institui o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) na Secretaria da Receita Federal do Brasil e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; altera as Leis 8. de 24 de julho de 1991, 8. de 15 de abril de 1994, 9. gov. br/ ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/l13606. htm>. Acesso em: 29 Jun. Supremo Tribunal Federal. RE 596. Adolfo Angelo Marzori Júnior e União. Relator: ministro Ricardo Lewandowski. de agosto de 2011. Disponível em: <http://www. Disponível em: <http://portal. stf. jus. br/processos/detalhe. asp?incidente=4320595>. aspx>. Acesso em: 29 Jun.

CORREIA NETO, Celso de Barros. Contribuição previdenciária rural de pessoa física volta à pauta do STF. Revista Consultor Jurídico, 12 de setembro de 2015. br/publicacoes/artigos/aspectos-controvertidos-da-inciden cia-de-contribuicoes-previdenciarias-sobre-a-producao-rural/>. Acesso em: 29 Jun. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. ed. FUNRURAL: Análise particularizada sobre o fundo. de janeiro de 2018. Disponível em: <https://sajadv. jusbrasil. com. Seguem os links para mais detalhes: http://receita. economia. gov. br/interface/lista-de-servicos/pagamentos-e-parcelamentos/parce lamentos-especiais/prr https://www. cnabrasil.

141 R$ para obter acesso e baixar trabalho pronto

Apenas no StudyBank

Modelo original

Para download