Ilha Desconhecida de José Saramago

Tipo de documento:Resenha

Área de estudo:Literatura

Documento 1

Não há muitos detalhes (para que a narrativa possa fluir mais facilmente); também não há uma caracterização detalhada das personagens, ou da apresentação do espaço. Os diálogos são expressos de maneira direta, apenas com a utilização de vírgulas para separar os personagens e o uso da letra maiúscula no início de cada sentença para demarcar as falas. Pode-se até pensar que o escritor estava cansado de escrever e usa a figura de um narrador “primitivo e precipitado”, mas na verdade, há a intenção de transmitir a mensagem de forma rápida e aproximando-se mais da linguagem oral. Mesmo sendo um livro contemporâneo, sua estrutura de fábula pode remeter aos contos maravilhosos ou à parábola, pois não há datas no texto e também não há a presença de elementos que façam o leitor perceber se esta narrativa é atual ou não.

Muito pelo contrário, porque tudo aponta para o contexto que nos leva a “navegar” para além do real, de uma forma simples e conseguida; para os enredos do “Era uma vez” dos contos de fadas, para os das fábulas simples com uma moral ao final. Com uma narrativa sempre em 1ª pessoa, as outras personagens são apresentadas ao leitor com uma peculiaridade: nem o rei, nem seus subalternos, nem seus súditos têm nome. Da mulher da limpeza pouco se sabe, a não ser as tarefas para as quais foi designada. Pode-se dizer que é uma personagem muito corajosa e cheia de esperança, pois largou tudo que tinha na sua vida, considerada enfadonha, e o emprego no castelo, no qual acumulava as funções de faxineira, secretária e arauto do rei para seguir em busca de uma mudança radical na sua vida, seguindo aquele homem que nunca vira na sua busca pela ilha desconhecida.

Mas, o que Saramago pretende narrar quando nos apresenta personagens que não têm personalidade; um “herói” que não poderia ser descrito como tal por sua condição; uso de uma narrativa moderna que não dispõe das pequenezas humanas para desenhar o mundo? Com a sua despreocupação em construir um enredo bem articulado, assim como a supressão de elementos que caracterizem o tempo, o espaço e as personagens como figuras encarnadas em uma história pessoal, o autor deixa claro que a narrativa não pretende narrar o que promete, e que tais informações não aparecem porque são desnecessárias, uma vez que a história que se pretende contar é outra história, camuflada sob a narrativa óbvia e operante nos sub-níveis do texto.

No texto de Saramago, é possível perceber que, mesmo não haja datações, há a noção clara de que, qualquer que seja o tempo narrativo, não há tempo determinado para encontrar o lugar desejado. O próprio rei, quando ouviu a petição do homem, garantiu-lhe que já não havia ilhas desconhecidas que pudessem ser descobertas, pois já estavam todas identificadas e catalogadas pelos geógrafos do reino. Assim, podemos dizer que, com relação ao tempo da narrativa, somente se conhece que a ideia de paraíso está perdida e que já não existem lugares a serem conquistados, ou viagens exploratórias e de aventura. Quando fala de aventura no romance moderno, Milan Kundera (1996) afirma que “o sujeito histórico, lançado à sua própria sorte, perde o fio de ligação com o sentido da existência, encolhe-se, duvida e submete-se àquilo que constitui sua nova verdade: a efemeridade da vida”.

No mundo moderno, a aventura é considerada uma paródia de si mesma porque a ilusão de buscar algo novo, já não se justifica. Podemos observar que, no texto de Saramago, isto fica muito evidente. Qual o propósito da busca daquele humilde súdito? Que ilha desconhecida é essa? Partindo do lugar-comum filosófico de que "todo homem é uma ilha", o personagem do conto quer descobrir a si mesmo, o sentido de sua existência. Além disso, se, alegoricamente, o homem é uma ilha, ele é, principalmente, uma ilha desconhecida, ausente dos mapas, ainda não conquistada, cujo conquistador deve ser ele mesmo, isolado na tarefa de ser sujeito e objeto do próprio conhecimento. A ilha desconhecida pode ser uma metáfora da consciência, daquilo que se costuma chamar de "o mundo interior".

Seu projeto de "buscar a si mesmo" na imagem poética de uma ilha misteriosa reflete um anseio que é universal e que move a humanidade desde os tempos mais remotos. Cada aventureiro, ou viajante, que desbravou novas terras estava tomado por essa estranha obsessão: transcender-se, superar-se, ir onde nenhum outro jamais esteve, descobrir algo fora de si que traga a compreensão de verdades mais profundas, escondidas na alma (como uma ilha). No caso da tripulação (ou da ausência dela), – porque em um determinado momento do texto, sabemos que a protagonista não consegue formar uma –, poderia ser interpretada como a representação crítica da alienação humana, em um mundo em que a alma que antes era inquieta, agora se conforma com a vida medíocre garantida pelas instituições porque os homens daquele tempo “não iriam tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de carreira para se meterem em aventuras oceânicas, à procura do impossível” (SARAMAGO, 1998, p.

Na primeira noite em que consegue o barco, o homem sonha e no seu sonho, a caravela transcende seus contornos históricos e ganha contornos bíblicos, porque carrega bichos e aves, terra e sementes, mudas e plantas, homens e mulheres (tripulação que ele não tinha conseguido reunir) e que, ao perceber que não chegariam a lugar nenhum, decidem abandonar o barco deixando-o à deriva e transformando-o em uma “ilha”. Deste modo, há uma fusão entre o veículo da busca e o local buscado, fazendo com que a viagem propriamente dita – e não o destino – seja o que realmente importa quando a busca é pela descoberta de si mesmo, porque, talvez, não haja um lugar fixo no âmbito da busca e da formação da identidade.

Passado o sonho, as personagens retornam ao seu estado original. Ou seja, continuam sendo elementos desgarrados, sem nomes, desconhecedores de si mesmos e pertencentes a um mundo que ainda está formado por reis patéticos, por uma tripulação covarde e por súditos alienados. Partindo do ponto que podemos identificar duas ideias no conto de Saramago, a de que um barco é uma ilha, e a de que as pessoas são uma ilha. E essa ideia de ilha só tem sentido quando existe o mar, pois sem o mar, nenhuma ilha é ilha. Para finalizar, podemos dizer que, na nossa sociedade moderna atual, o barco representaria a internet, na qual os seres humanos “navegam” por muitos mares em busca das ilhas desconhecidas, representadas pelas redes sociais no geral, cuja exposição, postagens e Stories fazem com que os indivíduos tentem se encontrar e, talvez, se (re)descobrirem a si mesmos.

Referências: Claro, M. Modernidade e Alegoria em O Conto Da Ilha Desconhecida, De José Saramago. CHEVALIER; GHEERBRANT. Dicionário de Símbolos. ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. GAGNEBIN, Jeanne Marie.

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