O genocídio da identidade negra no período escravista brasileiro Teoria do Branqueamento

Tipo de documento:Artigo cientifíco

Área de estudo:História

Documento 1

Conforme Oliveira (2006), a “noção de “raça”, assim como a de “meio”, fornece uma explicação sobre o caráter dos povos. O Brasil passa a ser visto como cadinho da mestiçagem, ainda que sob a superioridade do homem branco (. ”, o que criava a possibilidade de aperfeiçoamento do país e o seu progresso. “Mas a mestiçagem era apresentada como dilema. Se foi ela que permitiu a “aclimatação” da civilização ao trópico, teria mesclado raças desiguais, portadoras de heranças biológicas distintas, e, portanto, seria responsável pelo desequilíbrio da sociedade. Também exitosa foi a entrada de alemães na região sul. O fluxo imigratório para o Brasil foi mais intenso entre 1890 e 1920 após a abolição da escravidão que gerou maior demanda de mão de obra.

Particularmente em 1890, houve uma maior entrada de imigrantes “quando se registrou (. mais de 1,2 milhão de imigrantes, sendo a maioria da Europa, principalmente italiano” (Oliveira, 2006, p. Mas, é importante frisar que a política engendrada pela teoria do branqueamento não serviu apenas como obstáculo à participação do negro ex-escravo e afrodescentes na economia brasileira. Se o mito fundador, baseado na convivência das três raças e miscigenação, traz em si o encobrimento dos conflitos históricos brasileiros, a chamada democracia racial terá tom igualmente conservador. No que diz respeito à democracia racial o livro Casa Grande & Senzala, de 1933, é considerado um marco na análise das relações raciais e culturais brasileiras. Gilberto Freyre busca, a partir da abordagem da sociedade colonial e imperial brasileira, compreender os traços de nosso desenvolvimento técnico e produtivo, mas também, e principalmente, de nosso desenvolvimento cultural.

O autor considera como os três principais pilares da colonização portuguesa: a miscigenação, o latifúndio e a escravidão. Discutindo com as teorias deterministas geográficas e raciais, que atribuíram situações de malefícios à sociedade brasileira pela mistura de raças e pelo clima tropical, Freyre procura apontar que o negro se adaptou melhor do que o índio ao processo de trabalho no litoral brasileiro. Diante da possibilidade de promoção de mestiços com qualidades físicas e morais que se adequavam aos caprichos e objetivos dos senhores na casa-grande e diante da aproximação entre as culturas branca e negra, Freyre propôs, em obras posteriores, a existência de uma democracia racial no Brasil. A escravidão para o autor foi elemento necessário para a construção da colônia, mas mesmo diante de sua violência, alguns mestiço ascenderam socialmente, devido ao doce paternalismo estabelecido pelos senhores.

O que Freyre não aponta é que as chamadas relações de amaciamento representam um elemento de enrijecimento do sistema de dominação, sendo esta dominação reproduzida no âmbito da intimidade e tendo como consequências elementos deletérios para a identidade de negros e afrodescententes no Brasil. A democracia racial será objeto de duras críticas realizadas por Florestan Fernandes e seus colaboradores, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Trabalhando num projeto solicitado pela Unesco, no início da década de 1950, projeto que pretendia entender o desenvolvimento da democracia racial no Brasil, ou seja, o desenvolvimento harmônico da sociedade brasileira, Florestan Fernandes produziu, em 1954, a Conferência intitulada Existe uma Crise da Democracia no Brasil?. Por outro lado, as camadas dominantes se fundavam na ideia de que “o exercício do poder político fazia parte dos privilégios inalienáveis dos setores ‘esclarecidos’ ou ‘responsáveis’ da Nação.

” (Fernandes, 1954, p. Observa-se que, além da questão social resultante dos processos de marginalização de negros e afrodescentes, a falta de oportunidades e de inserção numa sociedade brasileira que se modernizava, esta falta se reproduzia no âmbito da própria participação política, além de perceber efeitos do ângulo da identidade, caracterizados, por exemplo, na orientação de comportamento de alheamento e desinteresse. No que diz respeito à questão da identidade e do comportamento de alheamento ou passividade é interessante observar como a própria sociedade escravocrata criou elementos discriminatórios de identificação entre os próprios negros e afrodescendentes. Segundo Schwarcz, 2001, em uma notícia que apareceu no jornal Correio Paulistano em 1886, pode-se observar que os termos negro e preto aparecem com significações totalmente opostas.

Sua marginalização viria a partir não da pessoa do seu eu em si, mas de formas negativas de atuação como a indolência e a rebeldia, ou mesmo, a malandragem e a prostituição, tipicamente caracterizadas como antiordem pela elite político-econômica e enquadrada como situações de polícia. Por esta razão, Florestan Fernandes indica que o legado da escravidão favoreceu a socialização do negro em uma situação de marginalização e desorganização social do grupo afrodescendente, visto que a ordem social capitalista exigia um tipo ideal de indivíduo, que não correspondia ao negro. O autor destaca, como consequência da escravidão, o abandono do negro após a abolição. O homem branco substituiria o negro na força de trabalho, tornando crime, a malandragem e a prostituição alternativas mais presentes ao desvio social.

Também destaca o quanto a mão de obra negra foi relegada a segundo plano a partir do momento em que os imigrantes foram chegando ao Brasil (Fernandes, 2008). Judeu, nascido em 1897 na pequena cidade de Breslan, antiga Alemanha, Norbert Elias foi para a Inglaterra no período da ascensão do movimento nazista antes da segunda grande guerra mundial. Após um período na Inglaterra estabeleceu-se em outros países, inclusive, passou a morar no continente africano. Foi um outsider na academia. Em sua obra, Elias trata as tensões entre os dois grupos numa pequena cidade fictícia na Inglaterra chamada Wiston Parva. Apesar do nome da cidade ser fictício, a obra é resultado de uma pesquisa de caso de três anos numa pequena cidade inglesa, onde as tensões entre os dois grupos (establishment e outsiders) eram constantes.

Esta exclusão realizada pelos estabelecidos em relação aos outsiders parte da crença de que os estabelecidos têm de que são dotados de “uma espécie de carisma grupal distintivo” (Elias, 1994, p. um tipo de qualidade que faltaria aos outsiders. Do ângulo do mundo global, historicamente, esta suposta superioridade de estabelecidos sobre outsiders é explicada como resultado de diferenças raciais, étnicas, religiosas ou de nacionalidade, mas na cidade trabalhada por Elias o que estava em jogo não eram as diferenças deste tipo, mas sim a diferença de poder. Todos eram trabalhadores. As duas áreas não apresentavam padrões habitacionais diferentes ou diferença na ocupação, renda e nível educacional (Elias, 1994, 23) O que explicar a diferenciação estabelecida? O autor demonstra que alguns grupos têm mais poder e por esta razão acreditam serem melhores do que os outros grupos.

Isto só muda quando há alteração no equilíbrio do poder. É importante frisar que o estigma não é individual (isto é preconceito), ele é grupal, logo, a estigmatização é um fenômeno social. Em Wiston Parva as pessoas eram estigmatizadas por serem membros de um grupo mal visto. O grupo dos estabelecidos da cidade (establishment) havia desenvolvido um estilo de vida e um conjunto de normas partilhadas pelos seus membros, mas tais normas eram desconhecidas pelos moradores da parte nova da cidade. A estigmatização gera o que Elias denominou de “desonra grupal”, que faz, por sua vez, com que as pessoas sejam excluídas das oportunidades simplesmente por pertencer a certo grupo social. Esse posicionamento branco no poder político, jurisdicional e militar era de fundamental importância para a realização da produção e se justificava pela noção de status advinda da sociedade portuguesa.

O colonizador português branco era nobre e exaltava a si mesmo em sua nobreza denominando-se, inclusive, de “homem bom” ao ocupar postos nas câmaras municipais. Já o nativo da terra era visto inicialmente como inocente, dado aos seus rituais junto à natureza e depois foi visto como bestial, devido à prática da antropofagia, realizada por algumas tribos. Por fim, o negro, era visto como mercadoria e quando se estabeleceu a sua condição de pessoa na origem (na mãe África), ela foi deturpada pela noção do pecado da magia, repudiado pelo mundo europeu cristão. Assim a escravidão se justificava pela sua função de levar milhões de almas a purgar seus abomináveis pecados. Romper os grilhões da escravidão não implicou mudar o padrão de representação da figura do negro e afrodescentes na sociedade brasileira.

A capoeira por quase trinta anos continuou proibida após a República, os rituais religiosos africanos foram reduzidos à macumba, no sentido pejorativo de magia negra, termo deturpado das práticas religiosas, o saci permaneceu fazendo suas diabruras e o boi que espanta a criança tem a cara preta. São apenas exemplos de estigmas. O fosso ainda mais profundo foi a crença de que o Brasil não se desenvolvia em função de sua miscigenação, como alegavam os teóricos do branqueamento. A indolência e a preguiça típicas do povo mestiço brasileiro eram avessas ao desenvolvimento moderno capitalista. Assim, “A diferença é construída no processo mesmo de sua manifestação, ela não é uma entidade ou expressão de um arcabouço cultural acumulado, é um fluxo de representações articuladas nas entrelinhas das identidades externas totalizantes e essencialistas.

O sujeito é visto aqui como provisório, circunstancial que se coloca entre um sujeito falante e um sujeito “falado”, reflexivo. O segundo nunca atinge o primeiro, só lhe resta sucedê-lo” (Goldman, 2011, p. De forma prática, pensemos que no período colonial brasileiro entraram em contato três povos e culturas diferentes: o branco português católico colonizador, o indígena habitante da terra e o negro africano trazido como escravo e oriundo de grupos diversos. Nas relações cotidianas, seja por intermédio do status, da religiosidade, das noções de nacionalidade e da raça, foram se definindo os elementos da formação de uma cultura e pensamento social e político brasileiros, mas sempre balizado pelo mando do branco colonizador, que não só detinha o poder político-econômico, como o poder sobre a rotatividade das crenças e dos símbolos.

São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000. ELIAS, Norbert, Scotson, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1994. FERNANDES, F. Existe uma Crise da Democracia no Brasil? Conferência pronunciada no Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política no Ministério da Educação em 28/06/1954. Nós e eles: relações culturais entre brasileiros e imigrantes. Rio de Janeiro:Editora FGV, 2006. PAIVA, Andrea L. da Silva de. Pensando a questão do negro brasileiro no ensino de sociologia: breves reflexões sobre a cultura afro-brasileira, Revista Contemporânea de Educação, Vol.

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