O que Deus permitiu, eu fiz: Nair da França e Araújo, primeira professora negra do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia

Tipo de documento:Artigo cientifíco

Área de estudo:História

Documento 1

Luciana da Cruz Brito. INTRODUÇÃO Nair da França e Araújo foi a primeira química do Brasil com formação universitária, uma mulher negra do século XX, também renomada por ser a pioneira a lecionar no curso de Química da Universidade da Bahia, atual Universidade Federal da Bahia - UFBA. Nair viveu em uma época na qual, por mais que se caracterizasse como o período pós-abolição, padecia com o intenso preconceito racial, além da discriminação sexista devido ao seu gênero e intelectualidade. Como Nair estudou sua graduação no bairro de Ondina, área nobre de Salvador, cabe ressaltar que a condição do negro nesse contexto social e educacional se assemelhava à realidade de todo o país, pois segundo o antropólogo Jeferson Bacelar (1994, p.

“na sociedade moderna de Salvador é mantida a discriminação racial sobre o negro, com a sua “periferização” espacial, econômica e social”. A metodologia da História Oral para o ensino da história apresenta-se como uma importante fonte de pesquisa, considerando que os documentos escritos, por vezes, deixam lacunas de informações a serem preenchidas pelo relato de um indivíduo. Ademais, seus resultados oferecem subsídios para a compreensão da complexidade que abrange as práticas do indivíduo na orientação de suas trajetórias individuais e coletivas, na proporção em que agrega distintas dimensões objetivas e subjetivas, ao redor de si, do outro e das conjunturas socais com que se depara. A historiadora Verena Alberti (2005, p. explana que a história oral incide em “[.

um projeto que se produzem entrevistas, que se transformarão em documentos, os quais, por sua vez, serão incorporados ao conjunto de fontes para novas pesquisas”. Ademais, a autora evidencia que a substituição por “gênero” também adverte que uma informação acerca da mulher é fundamentalmente, também, sobre o homem. Ainda, como afirma Scott (1995, p. “essa utilização enfatiza o fato de que o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado nesse e por esse mundo masculino”. Diante do exposto, notam-se os desdobramentos da história das mulheres. Como resultado, ela foi escrita de forma que reafirmava a submissão feminina aos homens, então detentores de poder, enquanto as mulheres eram silenciadas pela historiografia tradicional. Conforme essas colocações, a distribuição de papéis masculinos e femininos é o que mantinha - e mantém - as desigualdades entre os gêneros, as quais ainda ocorrem em grande escala, no entanto, é perceptível que na contemporaneidade, inúmeras mulheres romperam com estes padrões e foram em busca de sua emancipação, como aquelas que impetraram a oportunidade de estudar e alcançar locais e postos que antes, pertenciam apenas aos homens, sobretudo, os brancos.

Nas últimas décadas do século XX, sucederam-se algumas mudanças na historiografia, mediante as suas teorias e metodologias, o que resultou em grandes avanços para os estudos sobre as temáticas relacionadas a grupos sociais que se encontravam fora do interesse das pesquisas nas ciências humanas. Pesquisadores começam a se dedicar a temas como: grupos étnicos raciais, camponeses, pessoas comuns e, em especial, as mulheres. Essas mudanças possibilitaram o conhecimento desses campos, os quais anteriormente foram pouco ou quase nada explorados. Aludindo, especificamente, as mulheres negras no pós-abolição, a cientista social Ariella Silva Araújo (2013, p. A fragilidade da mulher nos descritos historiográficos também apresenta uma divergência, pois conforme questiona Carneiro (2011, p. “quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando?” Ora, conforme reitera a autora, as mulheres negras nunca se comportaram e, menos ainda, foram cuidadas com tal delicadeza, é o que também evidencia a cientista social Bianca Vieira (2018, p.

“o modelo de fragilidade feminina, sustentado pelo discurso da aptidão natural das mulheres para o lar, não foi acionado para questionar o trabalho duro nas lavouras e casas grandes efetuados pelas trabalhadoras negras escravizadas”. Carneiro esclarece ainda sua percepção, considerando seu local de fala: Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas… Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! (CARNEIRO, 2011, p. No tocante ao mercado de trabalho, espaço conquistado pelas mulheres brancas apenas no século XX, este, sempre fora ocupado pela mulher negra, considerando que perante a historiografia, as negras “ontem, - mantinham-se - a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados” e, “hoje, empregadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exportação” (CARNEIRO, 2011, p.

Segundo Araújo (2013) as negras destinadas ao serviço doméstico no pós-abolição se mantinham submetidas ao padrão escravista, trabalhando em torno de 14 horas diárias, sendo por vezes referidas como suas “pretas” e visitando a família somente por intermédio da permissão de seus empregadores, com horário e data definida, em superioridade, numa tarde a cada duas semanas. Araújo (2013, p. evidencia ainda que “as mulheres negras foram as que mais sofreram, antes e após o período da Abolição, pois os serviços domésticos mantiveram vivo o ideário do cativeiro”, englobando até mesmo os castigos corporais, os quais permaneceram ativos no pós-abolição, bem como a troca da força de trabalho por comida e moradia. No entanto, cabe ressaltar que fora mediante ao serviço doméstico que muitas negras impetraram sua independência financeira, provendo inclusive o sustento da casa, quando a possuíam, e atuando como a figura dominante do seu lar.

À vista disso, Vieira (2018, p. corrobora expondo que “a subordinação sexista na vida intelectual negra continua a obscurecer e desvalorizar a obra das intelectuais negras”. Assim, tem-se ainda o silenciamento das mulheres na historiografia, elucidado no tópico anterior, o qual também se ajusta a condição dessas mulheres, as quais, por vezes, tornaram-se invisíveis no universo intelectual. Acerca disso, Hooks (1995, p. reitera: “essa invisibilidade é ao mesmo tempo em função do racismo, do sexismo e da exploração de classe institucionalizados, e um reflexo da realidade de que grande número de negras não escolhem o trabalho intelectual como sua vocação”. Enedina Alves Marques, Antonieta de Barros e Maria Odília Teixeira, foram grandes mulheres negras que optaram pelo trabalho intelectual como sua vocação, mesmo em um país machista e racista.

Neste período, Santana (2011, p. evidencia que “[. ocorreu uma pequena interrupção nas atividades de empregada doméstica, dado o fato de ter se tornado professora da rede pública de ensino em diversas cidades no interior do estado”. De volta a capital paranaense em 1935, Enedina regressou aos seus afazeres como doméstica e, concomitantemente, qualificou-se no curso Madureza Ginasial, concluindo-o em 1937. No ano seguinte, ingressou no curso complementar de Pré-Engenharia com término em 1939. Mesmo frente às dificuldades Enedina soube driblar a árdua tarefa dos serviços domésticos e seguir com o seu projeto intelectual (2020, p. A dupla jornada evidenciada por Sanfelice e Fleig parece ser comum às mulheres brancas da época - com exceção da ocupação -, no entanto, Enedina sendo negra, padecia ainda com o preconceito, até mesmo, dentro da faculdade, uma instituição de caráter burguês, machista e racista, atitudes também disseminadas por alunos e professores.

Devido à intensa discriminação e perseguição sofrida, Enedina que, segundo Santana (2011) era uma mulher inteligente, reprovou por diversas vezes, sendo submetida aos exames de segunda época que degradavam seu histórico escolar. A perseguição é elucidada por seu colega, também negro, Adelino Alves da Silva: [. em uma prova o professor L disse prá Enedina, assim me contaram os colegas, - você não satisfez o meu exame. isso sucedeu-se “[. a custo de muito sacrifício e de alguma ajuda financeira de um amigo da família [. o Coronel Vidal Ramos, ex- patrão de Dona Catarina [sua mãe], com quem teria mantido laços de amizade”. O mercado de trabalho para mulheres negras no pós-abolição não ofertava muitas opções para Antonieta, sendo as únicas, restritas ao contexto doméstico.

Assim, para garantir a sobrevivência de sua família, ela optou por buscar emprego em sua recém-formação. Ademais, a professora, escritora e jornalista, participava de movimentos estudantis, ajudava financeiramente o orfanato Congregação do Senhor dos Passos e pertencia a Liga do Magistério, espaço em que teve a oportunidade de se aproximar de intelectuais professores e escritores, os quais em conjunto, fundaram o Centro Catharinense de Letras, local que “[. congregou ilustres nomes não só das letras catarinenses como também nomes tidos como importantes por estarem diretamente ligados à política” (NUNES, 2001, p. Foi exatamente no cenário político que Antonieta tornou-se ainda mais conhecida, pois segundo Fontão (2012, p. “participando dessas agremiações, destacava-se como oradora e colaboradora, a ponto de ser convidada a fazer parte do Partido Liberal Catarinense e a ser candidata à Assembleia Constituinte em 1935”.

Em um país em que a mulher acabara de conquistar seu direito ao voto e a política destinava-se apenas aos homens, Antonieta candidata-se e é eleita a Deputada Estadual no ano de 1934. Maria Odília Teixeira Nascida antes mesmo da abolição da escravidão no Brasil, em 05 de março de 1884 no município de São Félix – BA, Maria Odília era filha de uma negra e um médico, tendo ainda com essa formação o seu tio-avô e seu irmão. Diante disso, os historiadores Jucimar Cerqueira dos Santos e Mayara Priscilla de Jesus dos Santos (2019, p. evidenciam que “em sua bagagem, além dos livros e roupas, carregou consigo o nome de seu pai e a cor de sua mãe, já que Odília era filha de um casal interracial”.

Figura 3 - Maria Odília Teixeira Fonte: Mayara Santos (2020, no prelo) Em 1898, a jovem enceta sua trajetória acadêmica, período no qual, foi totalmente custeado por seu irmão Tertuliano Teixeira, um rábula, considerando que seu progenitor não tivera condições financeiras para isso. Assim, Odília se desloca para Salvador onde inicia o bacharelado em Letras e Ciências pelo renomado Ginásio da Bahia. Outra importante característica desse cenário foi auge dos estudos médico-legais, que tinham como principal fundamento teórico o racismo científico”. Mais uma vez a jovem negra se vê envolvida em um universo intelectual que a hostiliza, no entanto, ela não se assola. Cabe destacar que Odília foi ainda a primeira mulher no século XX a ingressar na FAMEB, além de ser a primeira negra da história dessa instituição de ensino.

Santos e Santos (2019, p. explanam que “a condição de gênero atrelada a sua cor, tornava-a um destaque neste ambiente”, destaque que a cada ano de formação se dilatava, sobretudo em 1909, quando defendeu sua tese doutoral com uma temática atípica, isto é: “Algumas considerações acerca da curabilidade e do tratamento das Cirrhoses Alcoólicas”, versando sobre as implicações do alcoolismo. LUTEI! VENCI! CHEGUEI! DAQUI NÃO SAIO MAIS: A TRAJETÓRIA DE NAIR DA FRANÇA E ARAÚJO Nesse tópico, realizaremos uma análise mais abrangente sobre a trajetória da professora Nair da França e Araújo, abordando sobre sua experiência com foco no ingresso e permanência na UFBA, bem como no profissional, atuando no Instituto de Química da UFBA.

Além disso, falaremos sobre suas dificuldades, o preconceito por seu gênero e raça, assim como o seu sucesso, sendo constantemente homenageada e enaltecida por ser a primeira professora mulher e negra no curso de Química da UFBA. Figura 4 - Nair da França e Araújo Fonte: UFBA (2018) Nair nasceu no Recôncavo Baiano, mais precisamente em Maragogipe – BA, datando em 26 de outubro de 1931, tendo como seu pai, o Sr. Eupidio Cyrillo de Araújo, um músico negro e carpinteiro e, sua mãe, a negra e doméstica, Srª. Vitorina da França e Araújo, conforme a própria relatou em entrevista1. E os ideólogos da democracia racial, em vez de solidarizar-se com os negros que denunciavam o racismo da época, foram hostis à Frente Negra Brasileira (CARVALHO, 2006, p.

Mesmo com a segregação nas escolas, Nair ingressou no Colégio Estadual da Bahia – Central, a primeira escola pública de ensino médio do Brasil, fundada no ano de 1837 na cidade de Salvador. Foi lá que Nair cursou o ensino fundamental e o médio, nesta última etapa, sendo uma das melhores, tendo em vista que alcançou o terceiro lugar na prova de admissão. Ademais, Nair (2017) expõe: “modéstia parte, eu fui muito considerada como boa aluna”. No entanto, a depoente narra: “o diretor era como a gente: preto. Evidentemente, o preconceito racial estava presente em Salvador e, diante disso, Nair padecia com os reflexos da escravidão sem que, ao menos, percebesse que aquela e outras situações, tratavam-se de uma discriminação resultante da cor de sua pele.

Nair não se conscientizava destas ocorrências, pois o racismo não era debatido abertamente naquela época. Mesmo diante de circunstâncias injustas, Nair prosseguiu em busca de uma melhor condição social, sempre se destacando em seus estudos. Foi no ano de 1951 que a vida acadêmica de Nair tivera início, matriculando-se no curso de bacharel em Química pela Universidade da Bahia – fundada em 1946 -, após fazer um exame nas disciplinas de Química, Física, Matemática, Português e Francês. Oliveira (2018, p. Segundo o mestre em química Miguel Fascio (2013, p. “em 1950 foi criado o curso de Química na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, [. esta passou a graduar somente em 1951 os químicos, bacharéis e licenciados”, ano em que Nair se inseriu no curso.

Acerca do curso, Oliveira (2018, p. elucida que “[. Queiroz (2008, p. que a primeira mulher a se inserir na universidade brasileira foi “[. uma médica, que forma-se na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1887. Em 1907, as mulheres representavam apenas 0,24% dos estudantes do Ensino Jurídico, 3,63% do Ensino Médico e Farmacêutico e 0,47% do Ensino Politécnico”. Sintetiza-se que as mulheres eram raríssimas no ensino superior, sobretudo, as negras, mas mesmo neste cenário, Nair formara-se. p. Ser uma mulher negra e tornar-se professora não era bem visto pela sociedade da época, conforme expuseram Telles et. al, e considerando que de acordo com a historiadora Luara dos Santos Silva Ao longo do pós-abolição e em especial em seus anos imediatos, inúmeras imagens estereotipadas e racializadas, atreladas às teorias pseudocientíficas, foram lançadas sobre a população negra.

Todo um conjunto de ideias que vistas a partir das experiências femininas conjugaram estereótipos raciais e de gênero, investindo na construção de perspectivas que negavam as capacidades morais e intelectuais das mulheres negras de modo contundente (SILVA, 2019, p. Embora os externos a escola a concebessem como incapaz, os alunos de Nair admiravam a docente e seu trabalho exemplar. ela me dava conselhos parecidos com os da minha mãe sobre negritude, e sempre dizia que nós negros temos que cuidar da aparência”. Outra contribuição para essa característica de Nair é concedida por Pinheiro (2020), ao passo em que evidencia que “muitos relatos que eu escuto e escutei de professores que foram alunos dela, diziam que Nair era uma professora com um grau de dedicação exacerbado e, inclusive, de fazer auxílio financeiro para os estudantes.

Era uma espécie de mãe mesmo”. No tocante à sua metodologia de ensino, Pimentel descreve: Pude testemunhar a forma como aquela docente conduzia a aula sempre com uma seriedade risonha, tinha sempre o riso nos lábios, e a paciência de uma educadora. Não ensinava ameaçando com avaliação, fazia-o educando para a importância dos aspectos gerais e específicos da química orgânica, e para os novos desafios nas disciplinas afins do curso. Cursamos algumas matérias com outras professoras e professores negros, mas eram raros (CARDOSO, 2020). Diante disso, nota-se o racismo estrutural, considerando que embora a discriminação existisse dentro da universidade, os próprios alunos não notavam as disparidades entre os contingentes de professores brancos e negros. Somente com o decurso do tempo e o amadurecimento sobre as questões sociais, estes discentes puderam compreender que em tempos remotos os negros não eram destinados aos locais como a sala de aula, tanto para o aprendizado quanto para lecionar.

Estevam (2020) possuía a noção dos espaços destinados ao negro e diante disso, destacou que Nair fora sua referência, pois conforme descreve: “ter sido aluna de Nair na UFBA me mostrou que eu estava no lugar certo, que um dia poderia me tornar uma professora como ela”. Além disso, explana: Nair era uma acadêmica exemplar, irreparável. Complementa que “em nenhum momento foi mencionado que era uma mulher negra, não tinha nenhuma homenagem nas salas e bibliotecas, como tinha para os homens brancos em todos os cantos da UFBA”. Cabe ressaltar que Pinheiro, embora lecione no Instituto de Química da UFBA, fora conhecer Nair como uma docente negra apenas em 2017, conforme descreve: Eu estava fazendo uma pesquisa para descobrir quem era a primeira doutora em química do Brasil, e como o curso de química da UFBA é o mais antigo do Norte/Nordeste, então essa era uma importante referência de pesquisa.

Houve diálogos com pessoas de todo o Brasil, para que dessem informações de quem eram as mulheres negras doutoras para buscar o ano de sua titulação. Foi aí que um dos professores do grupo de química da UBA comentou: “olha, tem a professora Nair, mas eu não sei se ela era doutora”. Quando ouvi falar dela, eu entrei em choque e perguntei se a professora Nair era negra (PINHEIRO, 2020). O racismo a acompanhou ao longo de sua trajetória, inclusive em seus estudos. De acordo com Bacelar (1994, p. “a partir da década de 50 e sobremodo nos anos 60, assistimos a uma completa transformação da nossa sociedade, com nítidas repercussões sobre a vida dos negros em Salvador”, onde Nair se encontrara para prosseguir com seus estudos.

Essas transformações resultam do desenvolvimento industrial, o qual exigiu uma intensa mão de obra, ocupada, inclusive, pela população negra. Assim, estruturam-se as classes, com a burguesia formada por brancos e mestiços claros, enquanto as classes médias, eram ocupadas pelos negros, os quais compunham o novo operariado e, sobretudo, os trabalhos urbanos, sendo estes, os menos valorizados, conforme elucida Bacelar (1994). Evidenciando sua imensa capacidade, Nair não cessou seus estudos com a licenciatura, pois o anseio pelas especializações viera, concomitantemente, ao término de 1955, porém, a discriminação a impediu, ao menos, inicialmente, quando tentou o doutoramento na USP - Universidade de São Paulo. Conforme Nair (2017) relata: “[. quando eu pedi o doutoramento, eles disseram que não podia, que não tinha condição”.

O que Nair profere é que tendo em vista que realizara seus estudos na UFBA, a USP rejeitara seu ingresso, orientando-a a desenvolver seu doutorado na instituição que se graduou. Nair (2017) consentiu, conforme narra: “E realmente, se eu fiz o curso todo fora da faculdade, é lógico que não tinha condição pra fazer o doutoramento”. “a principal barreira para a integração do negro na sociedade brasileira, para o tratamento igualitário do negro, é a educação”. Desse modo, o negro é impedido de progredir em sua carreira, sobretudo, na docente, como sucedera-se com Nair. Cabe destacar que [. a professora negra além de lidar com todos esses preconceitos, ainda sofre o processo de desprofíssionalização do magistério, que acaba por desvalorizar a profissão docente. Ser docente já não é fácil diante de tantas adversidades pelo qual passa a profissão, sendo negra e ainda mulher, tudo fica ainda mais difícil, principalmente, quando, vale lembrar, vivemos em um país chamado Brasil, que é preconceituoso e se diz democrático (TELLES et al.

De forma análoga, Carvalho (2020) imagina determinadas expressões utilizadas em São Paulo, referindo-se preconceituosamente a professora: “‘E, chegou uma baiana, negra’. ‘Será que ela veio vender acarajé’. ‘Chegou uma paraibana’. Esses e outros preconceitos deveriam estar presentes”. Ponderando as percepções de Pimentel e Carvalho, cabe ressaltar que à essa época, encontrava-se a culminância da Ditadura Militar no Brasil, período no qual era proibido abordar as questões raciais, sobretudo, a presença do racismo no país, tendo em vista a crença do governo na democracia racial, conforme corrobora Guimarães (1999, p. Durante os anos em que lecionou na UFBA, sua vida fora dedicada a essa instituição, considerando que Nair foi coordenadora de cursos do Instituto de Química, assim como pesquisadora da química orgânica nos laboratórios da UFBA.

Assim, Oliveira (2018, p. explica sumariamente sua rotina: “ela passava o dia na UFBA, ministrando aula e também na pesquisa e, à noite, ensinava no Colégio Central”. Com a rotina agitada, Pimentel (2020) relata que Nair ainda “foi testemunha de inúmeras histórias de sucesso de seus ex-alunos. Era sempre lembrada nas homenagens de formandos”. Sua história é um relato de solidão, socialmente construída a partir da intersecção de raça e gênero”. Ponderando sua solidão e todo o preconceito sofrido, seja em relação a sua raça ou ao seu gênero, Nair foi destinada a invisibilidade e, sobretudo, ao esquecimento daqueles que poderiam reconhece-la enquanto estava viva, como a própria UFBA. Raríssimos, como a professora Bárbara Pinheiro - aqui depoente -, foram os sujeitos que tentaram enaltece-la e valorizar seus feitos, seja na química, na educação, em suas vivências ou em suas superações.

Pinheiro complementa expondo que A Nair sofreu todos esses preconceitos na invisibilidade, das pessoas que diziam que não percebiam que ela era negra e, por isso, não comentavam esse “pequeno” detalhe. Eu não acho que seja uma desatenção, porque como que em um instituto tão branco vamos dizer que a primeira mulher que formou ali era negra? A primeira mulher que ensinou era negra. Teve vários modelos importados (facilitado por ter um irmão da Marinha, que permitia a importação dos veículos). Ficava surpreso quando ela falava em vidro elétrico e outros itens não disponíveis ou ainda inacessíveis à grande maioria dos consumidores nos anos setentas (CARDOSO, 2020). Devido à sua história exemplar e de sucesso, foram dedicadas diversas homenagens a professora Nair, como a sucedida durante as comemorações dos 40 anos do Instituto de Química da UFBA.

Outra homenagem importante é elucidada por Pimentel (2020): “com sua presença, assistiu sua vida ser lembrada e registrada numa defesa de Trabalho de Conclusão de Curso pela estudante de Química Raquel Melo de Oliveira, sob orientação da Profa. Dra. Inconformada, Pinheiro buscou incessantemente reparar essa dívida histórica com Nair enquanto a mesma estava viva, porém, “[. ela faleceu, mas durante esse processo ela recebeu três homenagens da Universidade. Eu estava trabalhando para ela receber o título de honoris causa”. CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa possibilitou uma maior visibilidade as mulheres negras e intelectuais que viveram no pós-abolição, mais precisamente, no século XX. Assim, alcançamos nossos objetivos, ao passo em que analisamos sumariamente a trajetória de Enedina Alves Marques, Antonieta de Barros e Maria Odília Teixeira, além da personagem de nosso foco, ou seja, a Nair da França e Araújo.

Posterior a trajetória dessas mulheres, chegamos ao nosso foco, abordando sobre a professora Nair da França e Araújo, a primeira mulher negra a se formar em química na Bahia. Com o auxílio de sua entrevista concedida à química Raquel Melo de Oliveira, bem como as que desenvolvemos com seus colegas de trabalho, pudemos conhecer melhor sua trajetória. Nesse contexto, reconhecemos as dificuldades da professora Nair, filha de uma doméstica e também destinada a esse encargo. Mulher e negra, Nair almejava estudar e, desse modo, formou-se em química na UFBA em 1954, ano que já atuava como professora no SENAI. Em seguida, dedicou-se a licenciatura em química, lecionando no Colégio Estadual da Bahia e, também, na própria instituição que se formara, tornando-se a primeira mulher a lecionar no referido curso da UFBA.

ª Ed. Cap. II, p. Rio de Janeiro: FGV, 2005. ARAÚJO, Ariella Silva. CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o Feminismo: A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. São Paulo: Geledés, 2011. CARVALHO, José Jorge. O confinamento racial do mundo acadêmico brasileiro. Mulheres, Raça e Classe. ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2016. ESTEVAM, Idália Helena Santos. Entrevista concedida a autora no dia 23 de setembro de 2020. gov. br/arquivos/arquivos/pdf/13_02_2012_11. dcf92bc3d675d078e59e92a2ea922fe. pdf. Acesso em 28 jun. HOOKS, Bell. Intelectuais Negras. Revista Estudos Feministas, Ano 3, 2º Semestre 1995. Disponível em: https://www. geledes. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Santa Catarina - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Florianópolis, 2001. Disponível em: https://repositorio.

ufsc. br/bitstream/handle/123456789/81514/187558. pdf?sequence=1&isAllowed=y. org/resources/anais/14/1308183602_ARQUIVO_ArtigoANPUH-Bergman. pdf. Acesso em 10 jun. PIMENTEL, Hélio Oliveira. Entrevista concedida a autora em 24 de abril de 2020. Nova História das Mulheres no Paraná. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2020. SANTANA, Jorge Luiz. Enedina Alves Marques: A Trajetória da Primeira Engenheira do Sul do País na Faculdade de Engenharia do Paraná (1940-1945). Revista Vernáculo, Nº 28, 2º semestre, 2011. Revista Educação e Realidade, 20(2): 71-99, Porto Alegre/RS, jul. dez. Disponível em: https://seer. ufrgs. br/educacaoerealidade/article/view/71721/40667. pdf. Acesso em 29 set. SILVA, Luara dos Santos. Coema Hemetério dos Santos: A “Flor de Beleza” e “Luz de Amor”. Trajetória de uma Intelectual Negra no Pós-Abolição Carioca. ufba. br/ufba_em_pauta/ufba-lamenta-falecimento-da-professora-nair-da-fran%C3%A7a-e-araujo.

Acesso em 10 jul. VIEIRA, Bianca. Mulheres Negras no Brasil: trabalho, família e lugares sociais.

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