PERPETUAÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO BRASILEIRO: ANÁLISE HISTÓRICA, POLÍTICA E SOCIAL

Tipo de documento:Artigo cientifíco

Área de estudo:Direito

Documento 1

Importantes pesquisadores brasileiros contribuem com a absorção dos ideais do Estado patrimonialista, a exemplo de Sérgio Buarque de Holanda. Na perspectiva econômica, como importante estudioso do subdesenvolvimento brasileiro, Celso Furtado critica as visões que associam o subdesenvolvimento a uma etapa rumo ao desenvolvimento, posto que o subdesenvolvimento corresponde a um processo histórico específico a ser superado somente a partir do rompimento com as velhas estruturas de poder existentes. Por intermédio da análise das contribuições dos autores aqui contemplados, é possível constatar que a análise do subdesenvolvimento brasileiro, necessariamente, deve contemplar as dimensões geopolítica, econômica, cultural e territorial. Palavras-chave: Subdesenvolvimento; Culturalismo Racista; Patrimonialismo. INTRODUÇÃO Para tecer discussões acerca do subdesenvolvimento brasileiro é necessário empreender um resgate histórico, tendo neste o fio condutor para compreender a formação capitalista Brasileira.

A população rural foi expulsa para as cidades, para servir de braços para a faminta indústria nascente, movimento ocorrido entre os séculos XV e XVIII. Esse contingente, que de uma hora para outra se viu “livre” tinha que se adaptar a nova realidade, sendo que muitos dos expulsos não conseguiam trabalho, configurando o que Marx classificou como exército industrial de reserva (MARX; ENGELS, 2011). Outros caíam ainda mais abaixo desse estágio e se tornavam o que o mesmo autor chamou de lúmpemproletariado2. A dinâmica do mercado mundial, a partir da Europa, engendrava o desenvolvimento da sociedade burguesa, que teve na Inglaterra, o seu modelo clássico. Naquele país, a emergência da sociedade burguesa, com o grande incremento comercial, possibilitou uma junção entre burguesia comerciante e a nobreza guerreira.

Além de novas relações de produção e de propriedade, o desenvolvimento das novas relações de troca engendravam novas relações jurídicas, com a introdução da igualdade formal. Porém, a lógica do valor escamoteia a existência de uma desigualdade substancial no âmbito da produção, uma vez que, no circuito produtivo, além de produzir o seu próprio equivalente, o trabalhador colabora com a produção de um rendimento que é apropriado pelo capitalista, a mais-valia. Esta provém de uma parcela do trabalho exercido pelo operário que não foi paga pelo patrão. A transição clássica para o modo de produção capitalista foi extremamente sanguinária para os setores que não conseguiam conquistar espaço na nova ordem socioeconômica em surgimento.

No entanto, a classe trabalhadora do centro, por meio de lutas travadas contra as expropriações do patronato, já no século XIX, consegue obter garantias de cidadania por parte do Estado. RAÍZES DO SUBDESENVOLVIMENTO BRASILEIRO E O ADVENTO DA ORDEM SOCIAL COMPETITIVA NO BRASIL Para tratar da introdução do Brasil à ordem social competitiva, é indispensável considerar as particularidades da formação social e econômica brasileira. Diferentemente dos países de capitalismo central, a formação capitalista brasileira contou com a reacomodação das velhas estruturas de poder e com a formação de um mercado de trabalho fragmentado, em que a classe trabalhadora tardou para conquistar direitos sociais e trabalhistas. Mesmo quando a cobertura de proteção ao trabalho foi obtida pelos trabalhadores, essa garantia ficou circunscrita aos trabalhadores do setor urbano.

De acordo com Prado Junior (2014), o Brasil já estava atrelado ao capitalismo desde a descoberta do território pelos portugueses, entretanto, com uma importante contribuição de Jessé de Souza (2017), podemos considerar que o aprofundamento da introdução do Brasil ao modo de produção capitalista, ocorre, sobretudo, a partir da operacionalização de dois componentes: o capitalismo comercial e o estabelecimento de um Estado burocrático centralizado. Esta dinâmica, aos poucos ganhou contornos ainda mais acentuados, exercendo influência na decadência do patriarcalismo rural e na ascensão do patriarcalismo citadino. De acordo com Jessé Souza (2017), o negro engrossou as fileiras da ralé, ocupando as piores condições laborativas no mercado de trabalho. Surgiram considerações de cunho racista por parte de influentes autores brasileiros, a exemplo de José de Oliveira Vianna.

Para Vianna (1982), os mestiços seriam de dois tipos: os mulatos superiores e os inferiores. Os primeiros estariam mais próximos aos brancos e de acordo com o autor, poderiam contribuir com a civilização do país. Em “Populações Meridionais do Brasil”, afirma que: “toda a evolução histórica da nossa mentalidade coletiva não tem sido, com efeito, senão um contínuo aperfeiçoamento, através de processos conhecidos de lógica social, dos elementos bárbaros da massa popular à moral ariana, à mentalidade ariana, isto é, ao espírito e ao caráter da raça branca” (VIANNA, 1982, p. Portanto, não é apenas o aspecto economicista que atesta a presença do subdesenvolvimento brasileiro, mas a predominância de descasos com as massas consideradas “disfuncionais” ao progresso.

São Paulo aparecia como o primeiro centro urbano especificamente burguês. Os ideais de competitividade e de civilização liberal atingiram o ambiente paulistano, sem, entretanto, reconhecer e integrar o negro nas novas configurações assumidas pelo universo urbano capitalista. Em suma, a sociedade negra largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de se reeducar e de se transformar para corresponder aos novos padrões e ideais de ser humano, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e do capitalismo (FERNANDES, 2015). Negros e pobres tornam-se invisíveis. Nesse sentido, Souza (2017) reconhece a importante contribuição de Fernandes (2015), no que diz respeito à denúncia do abandono da ralé brasileira. A existência dessa classe contribui para explicar a situação social, política e econômica do Brasil.

O culturalismo racista conservador brasileiro desconsidera a escravidão enquanto semente que germinou as graves formas de sociabilidade predominantes ainda na atualidade. Para Souza (2007), o culturalismo viria em substituição ao racismo fenotípico, pois já não seria a cor da pele o fator determinante para o comportamento dos indivíduos, mas o estoque cultural por ele herdado. É oportuno ressaltar que as relações raciais assimétricas herdadas do passado permaneceram, os negros ainda lidam com o ônus de uma sociedade historicamente assentada em um regime de segregação racial. Souza rechaça essas perspectivas defendidas por Schwartzman, Holanda e Faoro, ao considerar que se trata de uma leitura que demoniza o Estado, em detrimento do reconhecimento das mazelas provocadas pelo mercado. O mercado é divinizado pela mera oposição com o Estado definido como corrupto, e sua corrupção tanto legal (quando compra o legislativo para passar leis de seus interesses, impor juros altos a toda a população e privatizar o orçamento público e as empresas estatais) quanto ilegal (quando manda para o exterior valores de evasão fiscal que superam e muito toda a corrupção estatal da história somada), tornada invisível (SOUZA, 2017, p.

Na concepção de Schwartzman (2007), o Brasil apresenta um sistema político que não representa classes sociais determinadas, mas possui uma dinâmica própria e independente. Esta afirmação está compactuada com uma visão weberiana acerca do Estado brasileiro, que segundo o autor, tem como característica predominante a dimensão patrimonial. O relacionamento entre o Estado e a sociedade tem se caracterizado por uma forte burocracia estatal e uma sociedade acovardada (2007). A interpretação dominante do país acerca do Estado contribui com o trabalho de distorção de informações realizado pela mídia. As classes dominantes brasileiras se unificam em torno do Estado, o que faz com que a dominação burguesa e a transformação capitalista sejam fenômenos especificamente políticos (FERNANDES, 2006). A dominação burguesa se revela como uma autocracia burguesa.

Esta realidade é típica de nações portadoras de uma economia dependente e subdesenvolvida, onde imperam regimes democráticos instáveis e facilmente manipuláveis. Além disso, se juntamos o preconceito do suposto patrimonialismo, com o Estado como lugar da elite corrupta, com a noção antipopular e preconceituosa de “populismo”, também produto de intelectuais, que diz que nosso povo é desprezível, explicamos parte considerável da miséria da população brasileira (SOUZA, 2017). É a rápida diversificação desse setor do consumo que transforma a dependência em algo dificilmente reversível (FURTADO, 1959). De acordo com Mello (1984), a sociedade brasileira foi produzida de forma deformada e regulada pelos detentores da riqueza. Entre as décadas de 60 e 80, cerca de 40 milhões de pessoas que viviam no meio rural continuavam submersas na pobreza absoluta, período em que a miséria rural é conduzida para a cidade.

Cerca de 31 milhões de migrantes migram para a cidade (MELLO, 1984). O autor credita ao período em discussão, a formação de uma sociedade dividida em três mundos. No referido período, o país está assolado por uma desigualdade extraordinária e atravessará o movimento de uma forma de configuração de vida para outra: da sociedade rural tradicional para o duro universo da concorrência da grande cidade (MELLO, 1984). É importante mencionar que todo o processo de incorporação do Brasil ao capitalismo está acompanhado por um fluxo crescente de dependência em relação aos países de capitalismo central e pelo aprofundamento da sua condição de subdesenvolvimento, posto que a distribuição da massa salarial não é realizada de forma homogênea, e a concentração dos padrões de consumo disseminados internacionalmente é protagonizada pelas elites.

Conforme preconiza Furtado (1985), como a pressão no sentido de acompanhar a renovação dos padrões de consumo no centro se mantém, surge uma tendência à concentração de renda com reflexos nas estruturas sociais, as quais tendem a assemelhar-se às dos países tipicamente subdesenvolvidos. Tal ponto põe em evidência que o fenômeno que chamamos dependência é mais geral do que o subdesenvolvimento, haja vista que toda economia subdesenvolvida é necessariamente dependente, pois o subdesenvolvimento é uma criação da situação de dependência. Mas nem sempre a dependência criou as formações sociais sem as quais é difícil caracterizar um país como subdesenvolvido. A nossa formação coincide com constantes processos espoliativos praticados por outras nações. E após o processo de colonização, vivenciamos a experiência de uma independência em relação à metrópole lusitana, que nada alterou o cenário de subordinação do país aos interesses de economias externas.

Quando o império sai de cena e entra a república, o país perpassa pela experiência de uma reacomodação das elites no poder, sem alterações estruturais nas relações de poder, visto que as elites consideravam que a incorporação das novas estruturas produtivas seria incompensável. Entretanto, trata-se da formação de uma burguesia compósita, minada a partir de dentro pelos interesses da burguesia internacional. O processo de abolição da escravidão não representou um acontecimento capaz de devolver a dignidade aos negros, pelo contrário, transformou esse segmento na ralé brasileira, compelindo-o a ocupar posições espúrias no mercado de trabalho. FLORESTAN, FERNANDES. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Ática, v. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica.

Rio de Janeiro: Globo Livros, 2006. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. MELLO, João Manuel Cardoso de. VIANA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil; e, Instituições políticas brasileiras. Câmara dos Deputados, Centro de Documentação e Informação, Coordenação de Publicações, 1982.

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