UMA ANÁLISE DO HOMESCHOOLING NO BRASIL

Tipo de documento:Artigo acadêmico

Área de estudo:Direito

Documento 1

Itabira 2019 RESUMO O Direito Fundamental Subjetivo à Educação, obrigatório para crianças em idade escolar dos 4 aos 17 anos, vem passando por inúmeras discussões no cenário jurídico brasileiro. A baixa qualidade do ensino oferecida pelas escolas tradicionais públicas e privadas somada à doutrinação ideológica muitas vezes atribuída unilateralmente por professores que impõem suas visões de mundo, fez crescer a insatisfação de pais que passaram a buscar pelo direito de poder ministrar, sem a obrigatoriedade de escolarização (escolarização é termo que não se confunde com o direito a educação. Aquele é o ato de frequentar escola, enquanto este é direito fundamental da criança e do adolescente e é plenamente atendido com a prática do que vamos debater), o ensino a seus filhos no âmbito de suas residências, o que se traduz na prática do homeschooling.

A Constituição Federal de 1988 assegura que a educação básica é obrigatória sendo dever da família em conjunto com a sociedade e o Estado propiciar as condições para o pleno desenvolvimento da educação. Como não há proibição constitucional absoluta, fixou-se a tese pela Suprema Corte Brasileira, do seguinte tema: “Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira”. As there is no absolute constitutional prohibition, the thesis by the Brazilian Supreme Court established the following theme: “There is no subjective public right of the student or his family to homeschooling, which does not exist in Brazilian law”. Therefore, currently the practice of homeschooling is not legalized in Brazil, pending the publication of infraconstitutional legislation by the National Congress so that homeschooling is viable as a legal means of fulfilling the duty to provide education by the family.

This situation is legally permitted in several countries and prohibited in others. Without pretending to want to exhaust such a rich theme, it is about this subject that is exposed in the present work. Key-words: Homeschooling. O objetivo do presente trabalho é analisar, diante do crescente número de famílias homeschoolers no Brasil, e consequentemente do aumento do número de pessoas pró-educação domiciliar, os desafios presentes na garantia do direito à educação, que envolve diversos fatores além da simples educação formal. As análises aqui propostas resultam de pesquisar sobre a prática do homeschooling ao redor do mundo, bem como a legislação e regulamentação existentes em outros países, em especial a forma como vem sendo desenvolvido este tema na seara jurídica brasileira contemporânea.

DEFINIÇÃO DE HOMESCHOOLING Educação domiciliar, ensino domiciliar, homeschooling, homeschool, ensino no lar, são termos que referem-se ao ensino ministrado em casa, aos filhos, pelos próprios pais ou professores contratados, sem a obrigatoriedade de serem matriculados em escolas formais propriamente dita, ou seja, a responsabilidade da educação não fica a cargo do Estado, mas sim da família da criança e do adolescente que terá um acompanhamento personalíssimo e atividades e metodologia desenvolvidas especialmente para as características e necessidades do estudante. Essa modalidade de ensino caracterizada por ser doméstica ou domiciliar é legalizada em diversos países, como por exemplo: Estados Unidos, França, Noruega, Canadá, Portugal, dentre outros; e proibido em outros, como Suécia e Alemanha. Há ainda os países nos quais essa modalidade de ensino não está disciplinada em nenhuma legislação e a contrário senso, também não é considerada uma prática ilegal.

Os nichos familiares que mais se interessam pela prática do homeschooling são as famílias católicas e as evangélicas, porém isso não é nenhum fator determinante, pois qualquer família de qualquer crença pode ter o desejo de praticar o ensino domiciliar com seus filhos. O ED (ensino domiciliar) é uma modalidade de educação feita fora de uma instituição formal de ensino sob a responsabilidade da família. Essa prática possui duas características específicas que as fazem distinguir das outras modalidades de ensino: os responsáveis pelas diretrizes e ordenamento dos estudos da criança ou do adolescente são os pais, e a educação, o ensino em si, ocorre no seio da própria família. Os demais itens, como material didático, rotina, atividades, sequências de estudo, disciplinas ministradas variam de família para família, de acordo com a organização própria de cada família (PORTELA, 2019).

O site da ANED - Associação Nacional de Educação Domiciliar, bem define o termo, dizendo que a educação domiciliar não é um método de ensino, nem a utilização de um material específico, nem uma ideologia ou filosofia fechada, tampouco a prática de tirar uma criança da escola. ASPECTOS HISTÓRICOS DO HOMESCHOOLING NO BRASIL Apesar do termo homeschooling estar em voga atualmente, essa forma de ensino é bem antiga. Surgida nos Estados Unidos da América, desde a época colonial várias famílias educavam seus filhos no lar, como por exemplo, podemos citar vários ex-presidentes, de acordo com André Vieira: A força da homeschool nos Estados Unidos encontra raízes profundas no prestígio que a prática gozava entre os founding fathers do país: George Washington, Abraham Lincoln, Thomas Jefferson e Benjamin Franklin foram todos educados em casa.

VIEIRA, 2012, p. No Brasil, a prática do homeschooling sempre existiu, porém nunca foi regulamentada, como nos mostra Luciane Barbosa (2009), o histórico constitucional do Brasil nos mostra que em 1824, o Imperador Dom Pedro I outorgou a Constituição do Império, a qual citava a educação determinando a gratuidade da instrução primária para os cidadãos, e determinando os colégios e universidades como locais para o ensino de Ciências, belas letras e artes. Apesar das determinações constitucionais o que se verificou na prática foi uma escassez de recursos que propiciaram o surgimento de ensinos particulares no país subvencionados pelo poder público. – A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirarse nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana (BRASIL, 1946).

Art. – A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua oficial (BRASIL, 1946). Como mostra Barbosa (2009), em 1961, é aprovada a Lei 4. § 3º - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas: (. II – o ensino dos sete aos quatorze anos é obrigatório para todos e gratuito nos estabelecimentos primários oficiais; (. BRASIL, 1967). A Emenda Constitucional nº 01/69, também conhecida como Constituição de 1969, foi a primeira a prever a educação como direito de todos e dever do Estado, porém, ainda é perfeitamente o entendimento de que a educação das crianças/adolescentes pode se dar em casa e na escola. In verbis: Art. Há, ainda, a previsão do crime de abandono intelectual, previsto no Código Penal, artigo 246, para os pais ou responsáveis que não matriculares os filhos ou tutelados em instituição oficial de ensino.

HOMESCHOOLING NO MUNDO A educação domiciliar é regulamentada em 64 países e está presente nos 5 continentes. Entre os países que já disciplinaram o homeschooling temos: Canadá, Noruega, África do Sul, Suíça, Bélgica, Austrália, Estado Unidos, Canadá, Índia, Equador, dentre outros. Vamos traçar breves perspectivas a respeito da prática do ensino domiciliar em alguns países estrangeiros (ANED, 2019). Homeschooling nos Estados Unidos Os EUA possuem a maior população de homeschooler do mundo, lá é uma situação muito comum sendo permitida essa prática em todos os seus 50 estados. Homeschooling na Índia No ano de 2012 o governa da Índia se manifestou sobre o ensino domiciliar em resposta à petição nº 8870/2011 reconhecendo que não há qualquer ilegalidade nessa prática, o que gerou o arquivamento da petição.

A Índia conta com a Associação Indiana de Homeschoolers para apoiar, representar, proteger e capacitar os interessados nessa prática, cuidam, ainda, para que as crianças que fazem homeschooling não sejam excluídas de nenhuma forma com relação à exames e provas para ingresso em universidades indianas e estrangeiras (HSLDA, 2019). Homeschooling no Equador O Equador é o único país da América do Sul que possui legislação expressamente permissiva para a prática do homeschooling, que apesar de legal, não é comum como nos países da América do Norte. O direito equatoriano ao ensino domiciliar consta em sua própria Constituição, na qual prevê que “os pais têm a liberdade de escolher para seus filhos uma educação de acordo com seus princípios, crenças e opções pedagógicas”, e sua regulamentação infraconstitucional veio por meio de um acordo do Ministério da Educação em editado em 2013 (HSLDA, 2019).

Homeschooling no Chile A situação do homeschooling no Chile não possui legislação que a regule especificamente, mas é reconhecida como legítima e os estudantes que optam por essa 9 modalidade devem ser submetidos a exames anuais sem custo aplicados pelo governo (Mineduc, ou Ministério da Educação) para obterem a certificação (HSLDA, 2019). ASPECTOS POSITIVOS DO HOMESCHOOLING O ensino domiciliar com os filhos pode trazer inúmeros benefícios para os pais, para a prole e para a família de modo geral, pois estreitam-se os laços; valores e crenças serão repassadas, dentre outros aspectos, conforme veremos abaixo alguns pontos positivos dessa prática. Podemos destacar a flexibilidade com a qual as atividades de estudo e lazer poderão ser organizadas a depender da rotina da família, pois não será seguindo, necessariamente um padrão rígido de horários para início e término dos estudos, dos lanches, das atividades de lazer e 10 esportes, fato que gera mais proveito em uma atividade que pode ser estendida devido à facilidade ou dificuldade do estudante, sem contar que no momentos de passeios e lazer, podem ser aproveitados para demonstrar na prática, de forma mais palpável, aquilo que foi objeto de estudos nos livros.

Na prática do ensino domiciliar os pais que decidem os conteúdos que serão ensinados aos filhos, sendo eles os responsáveis por passar os conteúdos morais, religiosos, ideológicos e culturais que acharem mais apropriados, sem falar, ainda, na educação personalizada que gera um estudo altamente eficaz, pois é o pai/tutor com 1 ou 2 alunos para dividir a atenção. Não podemos deixar de falar na insegurança que algumas crianças possuem para se exporem perante a sala de aula para perguntar ao professor algum ponto da matéria que não compreenderam muito bem, e ainda existe a questão do bullying que pode deixar marcas profundas na personalidade da criança, sem falar em sexualidade precoce, acesso às drogas ilícitas que podem acontecer em ambiente escolar.

Essas situações não ocorrem quando se aprende em casa, por ser um ambiente extremamente protegido, capaz de formar uma pessoa segura em todos os aspectos da vida. Paulo Modesto explana: A escola é um espaço de aprendizado, de coexistência com o outro, de hétero e autorreconhecimento e, sobretudo, de equalização de diferenças. O ensino domiciliar promove o enclausuramento do educando e o torna vulnerável a discursos homogêneos, estritamente vinculados à ideologia dos pais ou de grupos em que estes estejam inseridos (igreja, partido, sindicato), sem participação plural ou o contraditório de outra instância crítica (MODESTO, 2019). Para os teóricos contra o homeschooling, a escolarização não se resume apenas ao ensino formal das disciplinas ensinadas, mas também incluem a permanência em escolas a diversas experiências formativas, podendo até chegar a inibir eventual exploração infantil com o acompanhamento mais próximo da escola e da sociedade perante o aluno.

Para eles trata-se de direito público subjetivo fundamental indisponível que deve ser resguardado pelo Estado inclusive contra a negligência dos genitores ou tutores. Para os críticos dessa modalidade de ensino, a convivência social com outras pessoas, especialmente entre as crianças, é fundamental para o aprendizado. Ainda, o artigo 1. do Código Civil Brasileiro diz que compete aos pais, quanto aos filhos menores, dirigir-lhes a criação e a educação. além dos dispositivos do Estatuto da Criança e do que responsabiliza os pais ou responsáveis por manter seus filhos matriculados em rede regular de ensino. O tipo penal do crime de abandono intelectual exige uma conduta omissiva e o crime se consuma no momento no qual o responsável pela criança ou adolescente deixar de proporcionar, sem justa causa, o ensino básico primário para a criança que se encontra em 2 Art.

Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa (BRASIL, 1940). Nessa linha de raciocínio, a fundamentação constitucional para a prática do homeschooling pode ser encontrada nos artigos 227 e 229 da Magna Carta, in verbis: Art. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988). Art. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (BRASIL, 1988).

Ainda para o entendimento do Ministro Barroso, como o homeschooling é compatível com a Constituição Federal sua prática é possível mesmo sem legislação específica, desde que haja prévio aviso da intenção dessa prática pelos pais às Secretarias de Educação locais. Art. º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade (BRASIL, 1996). Art. Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino (BRASIL, 1990). se exigir frequência, avaliações pedagógicas e de socialização por meio de fiscalização do Estado. Nesse contexto, através de discussões e debates no Congresso Nacional, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.

que estabelece os direitos e organiza todo o aspecto relacionado ao ensino destacando a educação básica e a educação superior. A partir dessa premissa, a LDB afirma que a educação básica é obrigatória dos 4 aos 17 anos devendo os pais ou responsáveis efetuar a matrícula de seus filhos, sendo, portanto, obrigação do Estado promover a gratuidade do ensino. Art. º- O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio. E ainda, segundo ela, há um clima propício para a regulamentação do ensino domiciliar no Congresso brasileiro.

Para evitar abusos aos menores, a PL em discussão não autorizará a educação domiciliar em caso de pais condenados por crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Maria da Penha, no capítulo de crimes contra a dignidade sexual do Código Penal, na Lei Antidrogas e na Lei dos Crimes Hediondos. Toda essa limitação visa a proteção da criança e do adolescente. O Projeto prevê, ainda, situações nas quais os pais poderão perderão o direito à prática do homeschooling, como por exemplo: quando o estudante for reprovado, em dois anos consecutivos ou em três anos não consecutivos; quando o aluno injustificadamente não comparecer à avaliação anual; e enquanto não for renovado o cadastramento anual junto ao ministério.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O homeschooling se apresenta como uma opção educacional para as famílias brasileiras em geral que não estão de acordo com a forma como o ensino tradicional é ministrado nas escolas públicas ou mesmo privadas que em maior ou menor grau tem a interferência estatal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Natália. Homeschooling: o que não te disseram sobre ensino domiciliar. Keeplearning. Disponível em: https://blog. keeplearning. Educ. Soc. Campinas. BARBOSA, Luciane Muniz Ribeiro. Homeschooling no Brasil: Ampliação do Direito à educação ou via de privatização? Educ. br/revista18/direitoEstefania. pdf. Acesso em 02 nov. BRASIL. Código Civil de 2002. gov. br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado. htm. Acesso em 01 nov. BRASIL. gov. br. Acesso em 01 nov. BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946.

br/ Acesso em 01 nov. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www. planalto. br/ccivil_03/leis/L8069. htm. Acesso em 01 nov. BRASIL. Lei nº 9. ª edição. Editora Saraiva. CRIANÇA e Adolescente. Educação: Homeschooling. MPPR. Disponível em> https://educacao. estadao. com. br/blogs/ana-maria-diniz/homeschooling-nao-e-solucao-edistracao/. Acesso em 29 out. com. br/2019-jul-25/interesse-publicohomeschooling-prejuizo-aos-direitos-crianca-adolescente. Acesso em 31 out 2019. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. O direito à educação e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Disponível em: https://jus. com. br/artigos/5633/o-direito-aeducacao-e-o-principio-constitucional-da-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 22 out. rev. eletrônica. Curitiba. Disponível em: http://www. opet. ghtml. Acesso em 01 nov. SANTOMAURO, Beatriz. Por que dizer não à Educação domiciliar. Nova escola. br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/RZlpLbZvikizJtb_2013-7-1012-0-56. pdf.

Acesso em 25 out. SILVEIRA, Fernando Coutinho Leão da. Constitucionalidade do ensino domiciliar (homeschooling). DJE: 21/03/2019. STF, 2018. Disponível em < http://www. stf. jus. mppr. mp. br/pagina1343. html>. Acesso em: 21 out.

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