O CONCEITO DE DIÁRIO EM O QUARTO DE DESPEJO DE MARIA CAROLINA DE JESUS

Tipo de documento:TCC

Área de estudo:Física

Documento 1

O referencial teórico para análise e conceituação, ancora-se principalmente nas teorias de Philippe Lejeune. Palavras chave: Literatura de minorias, Conceito de diário, autoria feminina. INTRODUÇÃO As autorias femininas conquistaram considerável autonomia a partir da metade do século XX. Nesta época, houve crescente interesse e valorização dos registros que expressassem a voz silenciada pelo preconceito e submissão. É possível admitir que a crescente produção feminina venha se estabelecendo com intuito de quebrar paradigmas. Migrou para São Paulo em 1947, indo morar na favela do Canindé, na zona norte, onde hoje é a marginal do Tietê. Numa rotina de extrema solidão, começa a expressar seus sentimentos em papeis de lixo, como forma de desabafo. Sendo assim, a finalidade deste artigo é observar alguns aspectos do gênero literário diarístico a partir do Quarto de despejo: diário de uma favelada.

Neste gênero autobiográfico fica evidente não só a figura da autora, mas também se podem apreender vozes muitas vezes silenciadas, à margem do discurso dominante. O sutil pedido de socorro de uma mulher, que passa a vida com anseio de trocar as taboas de sua casa por tijolos. Porém, na criação literária, por tratar-se de ficção, Quarto de despejo se configura como discurso de confissões de momentos de indignação da protagonista que se consome diante da dificuldade de garantir o pão a seus filhos. Vale lembrar que a arte ocidental, nesse século, tem o objetivo de preservar um capital de vivências, recordações e fatos históricos. Percebe-se, então, que a narrativa literária escrita em primeira pessoa, é um acréscimo dentro do panorama dos estudos literários, como se pode observar na voz de Carolina Maria de Jesus a predominância de primeira pessoa: Aniversário de minha filha Vera Eunice.

Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimenticios nos impede a realização dos nossos desejos. Há tempos que eu não pretendia fazer o meu diário. Mas eu pensava que não tinha valor e achei que era perda de tempo (p. Além da liberdade de parada e retomada dos registros, o diário é um texto, que movido pelas lembranças, gera uma espécie de gênese para outras escrituras. Pode ser este um dos motivos que leva pessoas comuns a produzirem mais e mais, a fim de buscar interpretar os problemas sociais e cotidianos. A protagonista expressa sua aflição a respeito das questões políticas do país, como podemos acompanhar a seguir: “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome.

Ela é uma crônica cotidiana de uma experiência pessoal e quem a escreve (e se inscreve) interessa-se por anotar pequenas coisas do cotidiano, ao lado das grandes dúvidas humanas. Carolina desabafa suas aflições diante da negação de condições elementares para sua família: Eu amanheci nervosa. Porque eu queria ficar em casa, mas eu não tinha nada para comer. Eu não ia comer porque o pão era pouco. Será que é só eu que levo esta vida? O que posso esperar do futuro? Um leito em Campos do Jordão. Quando eles vê as coisas de comer eles branda: - Viva a mamãe! A manifestação agrada-me. Mas eu já perdi o hábito de sorrir. Dez minutos depois eles querem mais comida (p.

E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome! (p. Escreve-se, “para salvar la escritura, para rescatar su vida mediante la escritura, para rescatar su pequeño yo o para salvar su gran yo dándole aire, y entonces se escribe para no perderse en la pobreza de los dias” (BLANCHOT, 1996, p. Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo” (p. O livro, enquanto diário, apresenta certa descontinuidade. Os dias se repetem iguais na monotonia: levantar cedo, ir buscar água na única torneira que serve a mais de cento e cinquenta barracos iguais ao de Carolina, atender aos filhos, sair para a cidade em busca de papel, de lata, de ferro, sobrecarregar-se com o peso de seu transporte, vender a sucata recolhida nas ruas, comprar os alimentos que serão consumidos no mesmo dia e na proporção exata do pouco dinheiro obtido no trabalho de todo o dia.

As definições podem variar, porque os acontecimentos registrados também se modificam. Essas variações se encaminham todas para a narrativa, em que o ponto de sustentação principal é a presença constante da fome e da pobreza de forma constante e acentuada, isso fica claro no fragmento que a protagonista expressa: “Ontem comemos mal. E hoje pior. ” (p. Segundo Lejeune (2008, p. para se compor um diário só é necessário escrever periodicamente, percebendo o imediato, seguindo a monotonia infringida pela repetição dos dias. Os elementos fundamentais nesta composição são: o narrador que escreve em primeira pessoa sobre si e sobre a realidade cotidiana, não tendo acesso ao futuro. Como podemos observar no trecho a seguir: Amanheceu chovendo. E eu tenho só 4 cruzeiros e um pouco de comida que sobrou de ontem e uns ossos.

Talvez não seja lido de fato, mas poderia sê-lo. Pode-se dizer que a narrativa do diário, é um lugar singular por ser emocional, relacional e significativo. Emocional porque, ao se narrar a própria vida ocorre um sentir o que se viveu ou que ainda está se vivendo ou que se deseja viver, como acompanhamos na expressão de Carolina: Hoje é aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu não posso fazer uma festinha porque isso é o mesmo que querer agarrar o sol com as mãos. Hoje não vai ter almoço. Porém, há aqueles de fim programado, por exemplo: diários de férias, de viagem, de trabalho ou de pesquisa, de retiro espiritual, gravidez etc. A limitação destes cadernos cronológicos e temáticos é parcial, dedicados a um período e centrados em uma zona de experiência particular, o eu ultrapassa o campo de diário e sobrevive ao seu final.

É na produção livre diarística, que se encontra um lugar onde não há espaço para o medo de cometer erros de ortografia, pois o diário tem como característica projetar imagens descontínuas da vida, apreendendo seu movimento livremente, assim afirma Lejeune (2008, p. Entende-se a produção do diário como uma atividade passageira ou irregular. Mantém-se sua concretização durante uma crise, uma fase da vida, uma viagem. No confronto com os homens, ao assumir responsabilidades e passar a executar tarefas tidas como masculinas, a mulher ampliou as possibilidades de realização pessoal criando, em lugar daquela figura de representação cristalizada, uma mulher que, desconstrói as velhas imagens, mostrando sua capacidade e franquezas advindas da condição humana, uma memória feminina construindo a história com sua própria voz.

Apontando assim a presença da mulher como narradora de sua própria história. Quando cheguei e abri a porta, vi um bilhete. Conheci a letra do repórter. Perguntei a Dona Nena se ele esteve aqui. Carolina de Jesus foi uma dessas personagens de sofrimentos, luta, preconceitos e de alegrias ocasionais de um povo à margem da dignidade humana. O João quando retornou-se disse que a reportagem havia saido. Vasculhei os bolsos procurando dinheiro. Tinha 13 cruzeiros. Faltava 2. Pode-se dizer que a mulher vivendo uma condição especial, representa o mundo de forma diferente. Assim a revalorização da criação literária feminina visa atingir um nível de igualdade de relações que permita configurar a emergência de um outro discurso sobre a realidade onde a mulher deixa o posto subalterno e passa a lutar pela liberdade.

Embora deslocada socialmente, Carolina de Jesus, leitora e observadora do mundo em Quarto de despejo ocupa um espaço onde auto se realiza, um “lugar de voz ativa”, podendo denunciar a situação subumana da favela. A escritora torna-se sujeito de sua história narrando todas suas atividades do dia, inclusive outras vozes. E, traçando com sua narrativa a inscrição de si mesma, mostra como é a vida na comunidade e quais as dificuldades, por exemplo, uma mulher marginalizada pela condição social que vive e é obrigada a enfrentar. p. Carolina não se casou. Tampouco teve um companheiro fixo. Não por falta de propostas, muito menos de amores, pois ela acreditava que nenhum homem iria tolerar uma mulher que escrevesse muito, lutasse pela independência e buscasse fugir da submissão.

Ao refletir sobre o conceito de diário segundo Phillip Lejeune, na produção Carolina Maria de Jesus em Quarto de despejo: diário de uma favelada (2005), Percebe - se a preocupação de Carolina de Jesus em apresentar detalhes do cotidiano, de uma forma que explicitam impulsos variados que movem quem escreve e quem lê sempre voltado à criação de um mundo particular e suas relações com o outro. A exposição primeira do "eu" em obras publicadas postumamente se converteu em gênero publicável pelo próprio autor. No entanto, é possível ler uma obra em forma de diário como se estivéssemos diante de uma produção não retocada. Este gênero confessional de um modo geral cria a ilusão da espontaneidade e do imediatismo por meio tanto das fragmentações e das elipses, quanto do pacto entre autor e leitor, cristalizado num modo de leitura que não se modificou na mesma proporção que os próprios diários.

A questão crucial que faz parte do universo deste gênero específico, diz respeito a sua publicação, pois ao passar do âmbito privado para o domínio público coloca em xeque seu caráter de “secreto”. As confidências sobre si mesmo sofrem modificações e recortes que as transformam numa espécie de ficção em que o caráter de texto espontâneo é calculado. Os diários, de um modo geral, criam a ilusão da espontaneidade e do imediatismo por meio tanto das fragmentações e das elipses, quanto do pacto entre autor e leitor, cristalizado num modo de leitura que não se modificou na mesma proporção que os próprios diários. A questão problemática destas narrativas é compreender até que ponto a negação implícita de seu caráter fictício é um recurso fictício convencional.

Os diários, sob este aspecto, expõem amplamente o problema dos limites da arte e da escrita, construída entre fato e artefato, ao justapor composições literárias e não-literárias. O que garante a um texto sua entrada e permanência dentro do universo literário,da qual o diário faz parte, é menos sua tendência ao autobiografismo puro ou à sua total entrega à força realizadora da ficção, mas seu compromisso com o apuro da linguagem Em suma, o diário é um texto interpretativo de sentimento, pensamentos, ações, desejos, que nos leva a refletir diretamente sobre o próprio homem em suas dimensões vitais. Principalmente neste contexto atual em que a Cultura, a Literatura, a História, parecem mergulhar num mundo em que as certezas ruíram.

O diário de Carolina se trata de uma narrativa que instiga a reflexão crítica sobre os conflitos sócio-culturais da atualidade, enfocando, dilemas do cotidiano, de figuras reais que também se deparam com a questão da fragmentação ou perda da identidade, uma vez que precisam exercer diferentes papéis para poderem se adequar às exigências da sociedade do consumo. Esta narrativa dá conta de um contexto em transformação e desconstrução, pois a autora consegue também traçar um panorama dos anti – heróis e do excedente humano, em sua provisória inserção numa sociedade que não os acolhe. Acompanha-se a frieza das relações e a corrida constante individual e egoísta para a sobrevivência. A catadora de papelão quer ser alguém, mas segue como ninguém, pois é um excedente da classe social e econômica, pois possivelmente não conseguirá se deslocar, sair dessa condição de extrema precariedade e anulação.

A literatura confessional faz parte da necessidade atual, tanto de narrar a própria experiência, quanto de buscar pela leitura uma identificação com um outro "eu" que se revela. Não se trata aqui de uma expressão de compaixão, mas de humanidade. REFERÊNCIAS AGUIAR, Flávio. Gêneros de Fronteira: cruzamento entre o histórico e o literário. São Paulo: Xamã, 1997. BLANCHOT, Maurice.

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